segunda-feira, 6 de abril de 2009

Conversas com "O Diabo" sobre Angola

Declarações ao semanário O Diabo, constantes na edição de 17 de Março de 2009:

P - Como analisa a «parceria estratégica» entre Portugal e Angola?

R - Numa situação de crise económica generalizada, com o País a debater-se com défices externos crescentes, faz todo o sentido a focalização nos mercados de exportação com maior potencial de crescimento. No top ten dos nossos mercados de destino, os quais, no seu conjunto,
representaram em 2008 mais de 80% das nossas exportações, apenas Angola e Singapura registaram crescimentos.
Angola foi de longe o mercado-destino a apresentar maior dinamismo, com as exportações no ano a crescerem quase 600 milhões de euros (cerca de 35%), contrastando claramente com o panorama depressivo dos outros mercados, o que colocou aquele país como o nosso quarto maior mercado de exportação. Em 2009, prevê-se que Angola seja dos poucos países a apresentar crescimento económico positivo, o que torna lógico e compreensível o redirecionamento por parte das nossas empresas exportadoras.
P - A opinião quase unânime dos analistas económicos é que a criação de um novo banco (com capitais da Sonangol e Caixa Geral de Depósitos) se afigura um negócio vantajoso e benéfico para o nosso País. Também tem a mesma opinião?
R - A estratégias de redirecionamento, se definidas individualmente por cada empresa, são perfeitamente aceitáveis, no pressuposto de que os empresários entrarão em linha de conta com o risco-país que, no caso angolano, é dos mais elevados, tratando-se de um Estado que está longe de ser de Direito e é considerado como dos mais corruptos do mundo. Diferente será a análise para a «joint-venture» recentemente anunciada entre a CGD e a Sonangol que, à partida, se afigura ser uma iniciativa da cariz puramente político, com o pontapé de saída dado por José Sócrates e José Eduardo dos Santos.
O objectivo declarado da nova instituição a constituir, é o financiamento de grandes investimentos, bem ao gosto do espírito megalómano de José Sócrates. Naturalmente que existirão interesses económicos por trás, designadamente das grandes empresas nacionais já presentes em Angola, basicamente as mesmas que beneficiam dos megaprojectos internos, aquelas com maior capacidade de influência do poder político, qualquer que ele seja.
P - Mas há riscos nesta operação?
R - O problema desta decisão, é que o Estado está a transmitir um incentivo claro aos agentes económicos, designadamente às «empresas amigas» no sentido de constituírem ou reforçarem a sua presença em Angola. Num cenário em que tal decisão seja da exclusiva iniciativa dos empresários, o risco será por eles assumido. Mas se a «parceria estratégica» de iniciativa pública correr mal, então... os pobres (contribuintes) que paguem a crise.
P - Que interrogações se poderão colocar na actuação de empresas estatais angolanas no nosso mercado económico-financeiro, nomeadamente a Sonangol?
R - Numa economia que se quer de mercado, não deve haver restrições à entrada ou saída de players e essa é uma condição fundamental para que exista efectiva concorrência. Garantida esta, as regras de jogo serão claras para todos: os produtores pretenderão maximizar o lucro, os consumidores a sua satisfação, o que garante a eterna «infidelidade» destes e a sua prédisposição para mudar de fornecedor à mínima contrariedade. Um mercado verdadeiramente concorrencial é consumer-driven e compete à oferta adaptar-se aos «caprichos» da procura e não o inverso.
Dito isto, só seria admissível a intervenção do Estado num cenário em que, por decisão política dos accionistas estrangeiros das empresas ditas «estratégicas», estas pusessem em risco o normal funcionamento do mercado - por exemplo a GALP ou a EDP falharem no abastecimento de combustíveis ou de electricidade. Mas aquelas só são «estratégicas» porque beneficiaram desde sempre de um mercado protegido e de uma situação de quase monopólio que lhes foi outorgada pelo Estado.
P - As grandes empresas portuguesas têm tido possibilidade de investir e penetrar no mercado angolano, mas o processo será assim tão fácil para as PMEs?
R - É evidente que as PMEs têm uma possibilidade assaz reduzida de penetração no mercado angolano. Mas esta é a situação normal em qualquer país dominado por uma oligarquia corrupta e que não se rege pelas regras de mercado. Aquela só será sensível ao tráfego de influências de quem proponha negócios de grandes números. Daí que a referida «parceria estratégica» se destine a financiar «grandes investimentos».
P - Como olha para a postura dos actuais governantes de Portugal nas relações com o Governo de José Eduardo dos Santos?
R - Seja por complexo de ex-colonizador e(ou) por interesse dos lobbies dominantes, é evidente que existe desde sempre por parte dos governos portugueses um nítido “vergar da cerviz” perante os “sobas” das excolónias. A imagem que transparece é a de uma fragilidade relativa de Portugal face à pujança financeira angolana, muito embora esta ande ao sabor da volatilidade das cotações do petróleo. Seria portanto admissível que as autoridades portuguesas exigissem reciprocidade face à maior liberdade concedida à actuação das empresas angolanas (na realidade fundos soberanos) em Portugal. Tal passaria, por exemplo, em não aceitar a exigência de que as empresas portuguesas em Angola cedam pelo menos 49% do respectivo capital a investidores angolanos (na prática, os mesmos fundos soberanos).
Considero contudo que seria bem mais transparente limitar a intervenção do Estado na economia à simples (mas firme) defesa da concorrência no mercado interno. Num mercado verdadeiramente concorrencial nenhuma «família», qualquer que ela seja, consegue uma posição dominante. Por sua vez, as empresas portuguesas que pretendessem investir em Angola, deveriam fazê-lo de acordo com as regras do país destino e por sua exclusiva conta e risco.

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