quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O fim de uma era? (*)

Muitos têm apontado a presente crise financeira como de gravidade idêntica ou superior à de 1929. Admitindo que quem tal afirma não são os catastrofistas ou as Cassandras do costume, o impacto junto dos cidadãos será brutal: ninguém hoje imagina minimamente o que seja uma depressão, com todo o seu fragor de desemprego, fome e miséria generalizadas. Algo que, no Ocidente, nenhuma das gerações vivas equaciona que possa alguma vez acontecer.

Certo é que, a crise actual tem, na sua sequência, várias similitudes com a grande depressão de 1929: sobreprodução global potenciada por excesso de liquidez, seguida de uma abissal desvalorização de activos, consequente e acentuada redução da massa monetária e inerente contracção do crédito que ameaça paralisar a actividade económica. A causa remota foi então idêntica, ou seja, excessiva criação monetária incentivada pelos Bancos Centrais ao longo de mais de uma década, via taxas de juro artificialmente baixas e, na actualidade, fixação aos bancos de insignificantes taxas de reservas. A expansão de moeda que daqui decorre, não directamente relacionada com o crescimento económico, leva a investimentos especulativos geradores das chamadas “bolhas” que, inevitavelmente, rebentam quando a taxa de juro inverte e os mercados se apercebem do enorme desequilíbrio entre investimento e poupança. Assistimos agora ao estoiro da bolha do subprime, decorrente de uma expansão vertiginosa do crédito hipotecário a abranger devedores conhecidos à partida como sendo de alto risco. A desvalorização dos activos imobiliários – cerca de 2/3 nos Estados Unidos desde o respectivo pico – levou os bancos a assumirem perdas monstruosas nos respectivos créditos, com a inerente insolvência de alguns deles. Na prática, isto mais não é do que o “queimar” de todo o “dinheiro falso” criado anteriormente e que potenciou a bolha.

Há porém uma diferença substantiva face à crise de 1929: os Estados, as entidades de quem todos esperam a solução providencial, constituem hoje os agentes económicos mais indisciplinados do planeta, habituados a gerir um “modelo social” cada vez mais caro com base no défice e na dívida. Confrontados com uma situação de quase catástrofe, reagem da única forma que conhecem, atirando dinheiro aos problemas. Como por todo o lado se encontram reféns de lobbies organizados, qualquer apoio reverte no imediato benefício destes, com especial destaque para a banca, por sinal o sector com maiores responsabilidades na crise, sempre em cumplicidade com os mesmos Estados que, em devido tempo, lhes garantiram a criação monetária para financiarem os créditos de alto risco. Ou seja, todas as soluções já implementadas ou a implementar, vão em benefício do infractor e em prejuízo do eterno financiador final, o contribuinte, com nula capacidade de intervenção e influência. Estamos a falar para já, contando apenas com o Plano Paulson e o Plano Europeu e abstraindo das maciças injecções de liquidez por parte dos Bancos Centrais, de algo como 2,5 biliões de dólares (triliões em termos americanos).

As reacções dos mercados, consubstanciadas nos índices bolsistas, com quedas desde o início do ano a ultrapassarem os 40%, têm denotado um enorme cepticismo. Porventura pelo reconhecimento de que as soluções propostas mais não são do que a tentativa de cura com o mesmo veneno que provocou a doença, a expansão monetária. Só o “pacote” europeu, ascende a 1,3 biliões de euros, qualquer coisa como 15% do PIB da EU, destinados a aumentos de capital dos bancos e a garantir o respectivo financiamento nos mercados interbancários. Uma hipotética utilização de toda aquela verba, encharcaria os mercados de euros, com efeitos mortíferos na estabilidade da moeda e na inflação, podendo pôr em risco a própria união monetária.

Não se conseguindo a retoma da confiança e a acontecerem mais falências bancárias, hipótese já aventada pelas autoridades americanas, a propagação para a economia real pode ter efeitos devastadores, com falências em série e subida exponencial do desemprego. Os Estados ficarão exangues, incapazes de acorrer em simultâneo a instituições insolventes e a carências sociais de todo o género. Será a falência do “Estado Social”, que não resistirá à fragilidade dos seus alicerces de dívida e défices. As tentações proteccionistas serão enormes, o que acentuará ainda mais a recessão à escala global. No final, emergirão três novas potências económicas, a China, a Índia e o Brasil, para onde o Ocidente “exportou” maciçamente capacidade produtiva nos últimos 20 anos e que compensarão a queda das exportações com o desenvolvimento dos seus mercados internos, com uma profundidade quase infinita.

E Portugal no meio disto? É apanhado no turbilhão numa situação de extrema fragilidade. O período de expansão económica global que ocorreu nos últimos 10 anos passou-nos totalmente ao lado e não deixámos de divergir face à média europeia, tendo já sido ultrapassados por alguns dos países de leste com quem concorremos na captação de investimento estrangeiro e caminhando assim alegremente para a cauda. Uma balança de transacções correntes em cerca de 10% do PIB e uma dívida externa que mais do que o duplica, ilustram uma situação de quase mendicidade. Não estando o seu sistema bancário exposto aos chamados “produtos tóxicos” do subprime, é no entanto responsável por uma grande parte da dívida externa, a que nada servirá a garantia do Estado se o risco-País aumentar por força de uma hipotética desagregação da união monetária. Teríamos então uma inflação estratosférica e uma queda abissal do nível de vida, com repercussões sociais alarmantes.

O acordar súbito para a realidade de quase toda a população, há vários anos “dopada” por doses maciças de propaganda governamental que promete diariamente o paraíso na terra, representaria um choque de dimensões imprevisíveis. Ressaltaria então a total incompetência da nossa classe dirigente para lidar com uma situação de catástrofe e, fruto do seu eterno e crescente intervencionismo no quotidiano de todos nós, a ela seria imputada toda a responsabilidade, com ou sem razão para tal. A instabilidade política redundaria rapidamente em crise de regime, a denotar desde há muito sinais de podridão. Uma sociedade civil abúlica por séculos de estatismo paternalista, estaria então de novo receptiva para a emergência de um caudilho.

(*) Artigo publicado inicialmente no semanário O Diabo em 21/10/2008

domingo, 5 de outubro de 2008

O Futuro do Aeroporto Sá Carneiro – Uma questão essencial nas autárquicas de 2009

As próximas eleições autárquicas ocorreram daqui a um ano. Da parte do PS, a provável candidata será a Prof. Dra. Elisa Ferreira, actual eurodeputada e antiga ministra dos governos de António Guterres. Como no PS nada é pacífico, compreende-se que até ao momento do anúncio formal da sua candidatura, a Dra. Elisa Ferreira seja parca nas suas intervenções.

No entanto, sempre que aparece, as suas intervenções já são claramente de campanha eleitoral, pelo que podemos assumir que será ela a candidata. E o que tem dito a Dra. Elisa Ferreira? Tomando como exemplo a entrevista ao jornal Público do passado dia 24 de Março, uma das ideias principais é que o Porto “tem vindo a perder dinâmica” e que “está particularmente debilitado”. Sendo inegável a perca de toda a região Norte, em relação a todas as outras regiões do País, convém recordar que não é um fenómeno que se confina aos últimos anos. É algo que tem razões estruturais, e que podemos encontrar o seu ponto de partida nos finais da década de oitenta e princípios da de noventa.

Mas nesta fase, mais importante é analisar soluções para o futuro. Nos últimos tempos, uma das soluções mais faladas prende-se com o futuro modelo de gestão do Aeroporto Francisco Sá Carneiro (ASC). É muito difícil encontrar algum tema que tenha gerado tanto consenso, entre várias entidades (públicas e privadas) e os cidadãos. O que está em causa é se a gestão do ASC deve ser autonomizada dos restantes aeroportos nacionais, permitindo que o enorme investimento efectuado nessa infra-estrutura (mais de 400 milhões de euros) possa ser efectivamente colocado ao serviço do desenvolvimento da região Norte. É notório que o actual governo discorda em absoluto da ideia de gestão autónoma do ASC. No entanto, como não o assume abertamente, o governo tem criado um conjunto de manobras dilatórias. A primeira, foi repto público lançado pelo Primeiro-Ministro, de que se houvesse alguma proposta credível, o Governo analisaria e tomaria uma decisão. O Primeiro-Ministro, convencido de que tudo não passaria de discurso sem conteúdo (ou seja, bluff) decidiu “elevar a aposta”. O problema é que apareceu uma proposta, liderada pelo Sonae, em parceria com a Soares da Costa e outros parceiros internacionais. Essa proposta, de uma entidade credível, deveria ser levada muito sério pelo Governo. Qual a resposta? A publicação de um “estudo”, realizado pela ANA, em que se pretende demonstrar que a gestão autónoma do ASC implicaria graves prejuízos para os utilizadores daquela infra-estrutura e seria economicamente inviável. Do que se conhece desse “estudo técnico”, via comunicação social, é que alguns dos principais argumentos são meras caricaturas. A principal é impor uma taxa de rentabilidade de 10%, para que o Estado pondere a sua privatização. Nenhum grande projecto nacional (aeroporto de Lisboa, TGV, auto-estradas) resistiria a esse teste. Mas a publicação de notícias periódicas sobre este “estudo”, revelam bem que o Governo não está de boa-fé em todo este processo.

Perante este quadro, qual a opinião da Dra. Elisa Ferreira? O que pensa a Dra. Elisa Ferreira, sobre a questão do ASC? Concorda com a Junta Metropolitana do Porto (JMP), a Associação Empresarial do Porto (AEP), a Associação Comercial do Porto (ACP), e muitas outras entidades, que querem uma gestão autónoma do ASC e ao serviço dos interesses da região Norte? Ou perfilha da opinião do Governo, que pretende manter a gestão de todos os aeroportos dentro da mesma empresa (ANA)? Não nos podemos esquecer que o novo aeroporto de Lisboa irá representar 90% da capacidade de investimento dessa empresa, pelo há o enorme risco e probabilidade de a gestão do ASC ser subjugada à rentabilização desse novo aeroporto. Sendo a Prof. Dra. Elisa Ferreira tão pródiga e cheia de convicções nos diagnósticos, deveria também o ser na defesa das políticas concretas do que considera melhor para o Porto.

Uma nota final, para os mais incautos. No próximo dia 8 de Outubro, a JMP e as associações empresarias irão realizar uma sessão pública sobre o ASC no Europarque. O PS, demonstrando que coloca os interesses partidários acima dos interesses regionais, anda com a ideia de ter no mesmo dia uma iniciativa, para promover um “amplo debate” sobre o mesmo tema. Ou seja, pretende dividir, para roubar impacto a esta iniciática, que considera hostil ao Governo. Uma sugestão: não seria mais útil para o Porto, e para toda a região Norte, unir esforços? E, já agora, a Prof. Elisa Ferreira irá estar presente no Europarque no próximo dia 8?


Luís Moreira Fernandes