Muitos têm apontado a presente crise financeira como de gravidade idêntica ou superior à de 1929. Admitindo que quem tal afirma não são os catastrofistas ou as Cassandras do costume, o impacto junto dos cidadãos será brutal: ninguém hoje imagina minimamente o que seja uma depressão, com todo o seu fragor de desemprego, fome e miséria generalizadas. Algo que, no Ocidente, nenhuma das gerações vivas equaciona que possa alguma vez acontecer.
Certo é que, a crise actual tem, na sua sequência, várias similitudes com a grande depressão de 1929: sobreprodução global potenciada por excesso de liquidez, seguida de uma abissal desvalorização de activos, consequente e acentuada redução da massa monetária e inerente contracção do crédito que ameaça paralisar a actividade económica. A causa remota foi então idêntica, ou seja, excessiva criação monetária incentivada pelos Bancos Centrais ao longo de mais de uma década, via taxas de juro artificialmente baixas e, na actualidade, fixação aos bancos de insignificantes taxas de reservas. A expansão de moeda que daqui decorre, não directamente relacionada com o crescimento económico, leva a investimentos especulativos geradores das chamadas “bolhas” que, inevitavelmente, rebentam quando a taxa de juro inverte e os mercados se apercebem do enorme desequilíbrio entre investimento e poupança. Assistimos agora ao estoiro da bolha do subprime, decorrente de uma expansão vertiginosa do crédito hipotecário a abranger devedores conhecidos à partida como sendo de alto risco. A desvalorização dos activos imobiliários – cerca de 2/3 nos Estados Unidos desde o respectivo pico – levou os bancos a assumirem perdas monstruosas nos respectivos créditos, com a inerente insolvência de alguns deles. Na prática, isto mais não é do que o “queimar” de todo o “dinheiro falso” criado anteriormente e que potenciou a bolha.
Há porém uma diferença substantiva face à crise de 1929: os Estados, as entidades de quem todos esperam a solução providencial, constituem hoje os agentes económicos mais indisciplinados do planeta, habituados a gerir um “modelo social” cada vez mais caro com base no défice e na dívida. Confrontados com uma situação de quase catástrofe, reagem da única forma que conhecem, atirando dinheiro aos problemas. Como por todo o lado se encontram reféns de lobbies organizados, qualquer apoio reverte no imediato benefício destes, com especial destaque para a banca, por sinal o sector com maiores responsabilidades na crise, sempre em cumplicidade com os mesmos Estados que, em devido tempo, lhes garantiram a criação monetária para financiarem os créditos de alto risco. Ou seja, todas as soluções já implementadas ou a implementar, vão em benefício do infractor e em prejuízo do eterno financiador final, o contribuinte, com nula capacidade de intervenção e influência. Estamos a falar para já, contando apenas com o Plano Paulson e o Plano Europeu e abstraindo das maciças injecções de liquidez por parte dos Bancos Centrais, de algo como 2,5 biliões de dólares (triliões em termos americanos).
As reacções dos mercados, consubstanciadas nos índices bolsistas, com quedas desde o início do ano a ultrapassarem os 40%, têm denotado um enorme cepticismo. Porventura pelo reconhecimento de que as soluções propostas mais não são do que a tentativa de cura com o mesmo veneno que provocou a doença, a expansão monetária. Só o “pacote” europeu, ascende a 1,3 biliões de euros, qualquer coisa como 15% do PIB da EU, destinados a aumentos de capital dos bancos e a garantir o respectivo financiamento nos mercados interbancários. Uma hipotética utilização de toda aquela verba, encharcaria os mercados de euros, com efeitos mortíferos na estabilidade da moeda e na inflação, podendo pôr em risco a própria união monetária.
Não se conseguindo a retoma da confiança e a acontecerem mais falências bancárias, hipótese já aventada pelas autoridades americanas, a propagação para a economia real pode ter efeitos devastadores, com falências em série e subida exponencial do desemprego. Os Estados ficarão exangues, incapazes de acorrer em simultâneo a instituições insolventes e a carências sociais de todo o género. Será a falência do “Estado Social”, que não resistirá à fragilidade dos seus alicerces de dívida e défices. As tentações proteccionistas serão enormes, o que acentuará ainda mais a recessão à escala global. No final, emergirão três novas potências económicas, a China, a Índia e o Brasil, para onde o Ocidente “exportou” maciçamente capacidade produtiva nos últimos 20 anos e que compensarão a queda das exportações com o desenvolvimento dos seus mercados internos, com uma profundidade quase infinita.
E Portugal no meio disto? É apanhado no turbilhão numa situação de extrema fragilidade. O período de expansão económica global que ocorreu nos últimos 10 anos passou-nos totalmente ao lado e não deixámos de divergir face à média europeia, tendo já sido ultrapassados por alguns dos países de leste com quem concorremos na captação de investimento estrangeiro e caminhando assim alegremente para a cauda. Uma balança de transacções correntes em cerca de 10% do PIB e uma dívida externa que mais do que o duplica, ilustram uma situação de quase mendicidade. Não estando o seu sistema bancário exposto aos chamados “produtos tóxicos” do subprime, é no entanto responsável por uma grande parte da dívida externa, a que nada servirá a garantia do Estado se o risco-País aumentar por força de uma hipotética desagregação da união monetária. Teríamos então uma inflação estratosférica e uma queda abissal do nível de vida, com repercussões sociais alarmantes.
O acordar súbito para a realidade de quase toda a população, há vários anos “dopada” por doses maciças de propaganda governamental que promete diariamente o paraíso na terra, representaria um choque de dimensões imprevisíveis. Ressaltaria então a total incompetência da nossa classe dirigente para lidar com uma situação de catástrofe e, fruto do seu eterno e crescente intervencionismo no quotidiano de todos nós, a ela seria imputada toda a responsabilidade, com ou sem razão para tal. A instabilidade política redundaria rapidamente em crise de regime, a denotar desde há muito sinais de podridão. Uma sociedade civil abúlica por séculos de estatismo paternalista, estaria então de novo receptiva para a emergência de um caudilho.
(*) Artigo publicado inicialmente no semanário O Diabo em 21/10/2008
Certo é que, a crise actual tem, na sua sequência, várias similitudes com a grande depressão de 1929: sobreprodução global potenciada por excesso de liquidez, seguida de uma abissal desvalorização de activos, consequente e acentuada redução da massa monetária e inerente contracção do crédito que ameaça paralisar a actividade económica. A causa remota foi então idêntica, ou seja, excessiva criação monetária incentivada pelos Bancos Centrais ao longo de mais de uma década, via taxas de juro artificialmente baixas e, na actualidade, fixação aos bancos de insignificantes taxas de reservas. A expansão de moeda que daqui decorre, não directamente relacionada com o crescimento económico, leva a investimentos especulativos geradores das chamadas “bolhas” que, inevitavelmente, rebentam quando a taxa de juro inverte e os mercados se apercebem do enorme desequilíbrio entre investimento e poupança. Assistimos agora ao estoiro da bolha do subprime, decorrente de uma expansão vertiginosa do crédito hipotecário a abranger devedores conhecidos à partida como sendo de alto risco. A desvalorização dos activos imobiliários – cerca de 2/3 nos Estados Unidos desde o respectivo pico – levou os bancos a assumirem perdas monstruosas nos respectivos créditos, com a inerente insolvência de alguns deles. Na prática, isto mais não é do que o “queimar” de todo o “dinheiro falso” criado anteriormente e que potenciou a bolha.
Há porém uma diferença substantiva face à crise de 1929: os Estados, as entidades de quem todos esperam a solução providencial, constituem hoje os agentes económicos mais indisciplinados do planeta, habituados a gerir um “modelo social” cada vez mais caro com base no défice e na dívida. Confrontados com uma situação de quase catástrofe, reagem da única forma que conhecem, atirando dinheiro aos problemas. Como por todo o lado se encontram reféns de lobbies organizados, qualquer apoio reverte no imediato benefício destes, com especial destaque para a banca, por sinal o sector com maiores responsabilidades na crise, sempre em cumplicidade com os mesmos Estados que, em devido tempo, lhes garantiram a criação monetária para financiarem os créditos de alto risco. Ou seja, todas as soluções já implementadas ou a implementar, vão em benefício do infractor e em prejuízo do eterno financiador final, o contribuinte, com nula capacidade de intervenção e influência. Estamos a falar para já, contando apenas com o Plano Paulson e o Plano Europeu e abstraindo das maciças injecções de liquidez por parte dos Bancos Centrais, de algo como 2,5 biliões de dólares (triliões em termos americanos).
As reacções dos mercados, consubstanciadas nos índices bolsistas, com quedas desde o início do ano a ultrapassarem os 40%, têm denotado um enorme cepticismo. Porventura pelo reconhecimento de que as soluções propostas mais não são do que a tentativa de cura com o mesmo veneno que provocou a doença, a expansão monetária. Só o “pacote” europeu, ascende a 1,3 biliões de euros, qualquer coisa como 15% do PIB da EU, destinados a aumentos de capital dos bancos e a garantir o respectivo financiamento nos mercados interbancários. Uma hipotética utilização de toda aquela verba, encharcaria os mercados de euros, com efeitos mortíferos na estabilidade da moeda e na inflação, podendo pôr em risco a própria união monetária.
Não se conseguindo a retoma da confiança e a acontecerem mais falências bancárias, hipótese já aventada pelas autoridades americanas, a propagação para a economia real pode ter efeitos devastadores, com falências em série e subida exponencial do desemprego. Os Estados ficarão exangues, incapazes de acorrer em simultâneo a instituições insolventes e a carências sociais de todo o género. Será a falência do “Estado Social”, que não resistirá à fragilidade dos seus alicerces de dívida e défices. As tentações proteccionistas serão enormes, o que acentuará ainda mais a recessão à escala global. No final, emergirão três novas potências económicas, a China, a Índia e o Brasil, para onde o Ocidente “exportou” maciçamente capacidade produtiva nos últimos 20 anos e que compensarão a queda das exportações com o desenvolvimento dos seus mercados internos, com uma profundidade quase infinita.
E Portugal no meio disto? É apanhado no turbilhão numa situação de extrema fragilidade. O período de expansão económica global que ocorreu nos últimos 10 anos passou-nos totalmente ao lado e não deixámos de divergir face à média europeia, tendo já sido ultrapassados por alguns dos países de leste com quem concorremos na captação de investimento estrangeiro e caminhando assim alegremente para a cauda. Uma balança de transacções correntes em cerca de 10% do PIB e uma dívida externa que mais do que o duplica, ilustram uma situação de quase mendicidade. Não estando o seu sistema bancário exposto aos chamados “produtos tóxicos” do subprime, é no entanto responsável por uma grande parte da dívida externa, a que nada servirá a garantia do Estado se o risco-País aumentar por força de uma hipotética desagregação da união monetária. Teríamos então uma inflação estratosférica e uma queda abissal do nível de vida, com repercussões sociais alarmantes.
O acordar súbito para a realidade de quase toda a população, há vários anos “dopada” por doses maciças de propaganda governamental que promete diariamente o paraíso na terra, representaria um choque de dimensões imprevisíveis. Ressaltaria então a total incompetência da nossa classe dirigente para lidar com uma situação de catástrofe e, fruto do seu eterno e crescente intervencionismo no quotidiano de todos nós, a ela seria imputada toda a responsabilidade, com ou sem razão para tal. A instabilidade política redundaria rapidamente em crise de regime, a denotar desde há muito sinais de podridão. Uma sociedade civil abúlica por séculos de estatismo paternalista, estaria então de novo receptiva para a emergência de um caudilho.
(*) Artigo publicado inicialmente no semanário O Diabo em 21/10/2008
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