Fico sempre assaz desconfiado quando me apresentam propostas ditas “moralizadoras”, conhecidas que são as “incompatibilidades” entre a moral e a política. A minha desconfiança aumenta quando uma proposta de lei como a da limitação de mandatos foi claramente ad hominem, pretendendo o PS “varrer” Alberto João Jardim do mapa político, desejo que já não consegue disfarçar – e porventura também, mas aqui de forma inconfessada, alguns dos seus “dinossauros” que se estão a tornar incómodos. Da desconfiança passo à total rejeição quando concluo, ao fazer o cômputo de perdedores e ganhadores, situarem-se estes nos directórios partidários, que passam a ter poderes acrescidos na indicação dos candidatos locais. Isto mais não foi do que a consagração legal do veto dos directórios centrais a candidaturas autárquicas o qual, quando exercido internamente, provoca muitas vezes no eleitorado uma reacção de rejeição.
Marques Mendes foi ao cúmulo de defender, como justificação para o seu veto às candidaturas de Isaltino de Morais, Valentim Loureiro – e, implicitamente, também a de Santana Lopes – razões de “credibilidade e confiança política” que os putativos candidatos (não) lhe merecem. Convenhamos que como manifestação de dirigismo centralista e de insolência face ao eleitor e cidadão comum, era difícil dizer melhor. Os mass media aceitam e apoiam estas razões, tendo apenas em atenção os visados: qualquer actuação cujo resultado final seja “trucidar” aqueles três expoentes do populismo, é politicamente correcta e aplaudida de forma acrítica e acéfala. Publicitam-se inclusivamente sondagens – feitas numa base nacional – que atestam a bondade das decisões de Marques Mendes, esquecendo-se totalmente inquéritos junto dos verdadeiros interessados, sondagens feitas apenas nos “feudos” em causa. Por sua vez, os opinion makers, analistas e comentadores consagrados também exultam, na certeza de que o resultado final será um maior e melhor controlo da periferia ignorante pelo centro esclarecido. Totalmente irrelevante para esta gente é a “credibilidade e confiança política” dos candidatos junto dos eleitores, ou a existência de um sistema político que não crie barreiras à “oferta” de candidaturas.
Tal como em muitas outras situações, está-se a discutir o acessório e não o essencial, não se descortinando ninguém que se disponha a mexer nas verdadeiras feridas. São elas:
- O processo de escolha dos candidatos partidários às diferentes eleições;
- O modelo de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais;
- O regime de financiamento das autarquias.
A escolha dos candidatos é feita pelos aparelhos partidários e numa lógica muito própria de defesa dos interesses das corporações internas. Nenhum militante de um partido, por mais perfeito e “virtuoso” que seja o seu perfil mas sem nenhuma ligação aos grupos de pressão e sindicatos de voto internos, tem qualquer hipótese de ser nomeado candidato ao que quer que seja. Porém, os processos de decisão interna dos partidos não são passíveis de ser alterados por decreto – muito embora já existam lamentáveis precedentes de que foi vítima o PCP – pelo que uma forma de minorar este ”aparelhismo” poderia passar pela criação de melhores condições ao aparecimento de candidaturas independentes, não as discriminando face aos partidos no que concerne ao financiamento público. Este deveria ainda ser reformulado, com vista a um maior controlo e accountability das contas dos partidos e das campanhas eleitorais.
Mas a reforma de fundo seria ao nível do financiamento das autarquias, o qual deveria resultar em grande parte do lançamento de impostos municipais, não relacionados com a actividade de construção e pagos separadamente dos impostos centrais junto das tesourarias das respectivas câmaras. Muita obra de fachada supostamente hoje aplaudida pelos eleitores, deixaria de o ser quando sentissem que a mesma era custeada pelo aumento da tributação municipal. A não dependência dos municípios de impostos sobre imóveis, iria por outro lado acabar com uma das principais fontes de corrupção, com ligações estreitas ao financiamento partidário.
Em síntese, não são tanto questões de corrupção, de populismo, de tráfico de influências, ou de credibilidade, “moralização” ou “renovação” que levam a que os directórios pretendam vetar determinados candidatos ou limitar-lhes o número de mandatos. O grande e verdadeiro “pecado mortal” de Jardim, Mesquita Machado, Narciso ou Valentim consiste em terem votos de forma recorrente e, por essa via, atingirem estatuto e poder que lhes permite condicionar os “caciques centrais” em favor de quem representam. Não consta por outro lado que, nos respectivos “feudos”, o voto seja menos secreto que em qualquer outro lado.
Mas o “centralismo democrático” dos directórios partidários não perdoa. As vitórias de Valentim e Isaltino inviabilizaram a existência, neste sistema de candidaturas independentes. No limite, poderá ainda retirar-se o direito de voto aos eleitores pouco esclarecidos…
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