segunda-feira, 6 de abril de 2009

Contra a partidocracia, os círculos uninominais

O nosso actual sistema de eleição de deputados processa-se através da apresentação de candidaturas pelos partidos (e só por estes), em lista fechada da qual serão apurados os eleitos por aplicação de um sistema de apuramento proporcional (em Portugal é utilizado o método da média mais alta de Hondt). As listas são apresentadas em cada círculo eleitoral que, no nosso caso, correspondem aos distritos. Desde logo, temos aqui uma distorção, decorrente da disparidade entre os círculos de Lisboa e do Porto que elegem mais de 50 e quase 40 deputados e os círculos de Bragança ou de Portalegre, a elegerem apenas 3 deputados cada.

Mas mais importante é a escolha dos candidatos a deputados. Apesar de serem eleitos por milhões de eleitores, a sua presença nas listas depende de uma oligarquia partidária eleita por não mais de 1.000 pessoas, incluindo-se geralmente neste milhar os candidatos a candidatos. O sistema funciona todo em circuito fechado, mais ou menos desta forma:
  1. Eu apoio-te no congresso partidário;
  2. Se fores eleito líder colocas-me em lugar elegível na eleição para o Parlamento;
  3. Se ganharmos as eleições e fores 1º Ministro terás sempre em mim um deputado obediente;
  4. Se perdermos e não te demitires, terás sempre em mim um fiel apoiante;
  5. No próximo Congresso lá estarei na 1ª linha a defender-te e reiniciar-se-á o ciclo.

Esta sequência pode ter várias variantes. Em 3., a contrapartida pode ser uma pasta ministerial ou uma secretaria de estado, tal dependendo de o candidato ser um “barão pensante” sedeado em Lisboa ou um “baronete mobilizante” da província. Em caso de derrota, o barão nem chega a tomar posse como deputado, antes retorna à administração da empresa privada ou do instituto público donde provém; o baronete tomará posse, iniciará, qual Calisto Elói Benevides de Barbuda, um rápido processo de aculturação lisboeta e será de uma fidelidade canina ao líder, seja ele qual for. O seu principal objectivo é subir ainda mais uns lugarzitos na lista das próximas eleições, abandonar em definitivo a zona cinzenta de eleição incerta e, quem sabe, se a coisa correr bem, subir a parada e reivindicar uma pastita de secretário de estado pelo apoio nunca regateado ao poder partidário instituído.

Seja qual for o caso concreto, o normal é que os lugares cimeiros de todas as listas, os garantidamente elegíveis, sejam sempre reservados para os barões lisboetas ou “alisboetados”, que quase nenhum eleitor conhece ou recorda. Estes lugares de deputado são puramente instrumentais e os figurões vão circulando do Parlamento para o Governo, deste para uma presidência de Câmara que já detinham ou entretanto conquistaram, daqui de novo para o Parlamento caso se falhe a reeleição. Este completo desrespeito pelos mandatos atribuídos é feito às escâncaras, sem pejo ou vergonha. Não é portanto de admirar, que o Parlamento de um País regido por um sistema que permite tais indignidades, seja um órgão de poder menorizado e totalmente desprestigiado.

Em todo este processo, são verdadeiramente decisivos os directórios e os aparelhos partidários. Diga-se porém que estes não são, de per si, uma coisa má. O aparelho é necessário enquanto máquina eleitoral, com toda a sua organização e logística. Ou seja, estivessem os aparelhos limitados às suas verdadeiras funções, que devem ser meramente operacionais, e ninguém notaria a sua existência. O odioso destas estruturas acontece a partir do momento em que elas pretenderam intervir na decisão política. A sua intervenção jamais se pauta por opções de natureza estratégica, pelo confronto de políticas alternativas, por sugestões de políticas de alianças. A sua intervenção é mais básica, discute a nomeação do boy para a ARS local, o administrador da Empresa Municipal, o candidato à Junta de Freguesia ou à Câmara, a lista para o Parlamento nacional. O seu leit-motiv estará sempre relacionado com os cargos e lugares de nomeação, mesmo que para futura eleição.

A criação de círculos uninominais, fosse para a eleição de deputados nacionais ou municipais, representaria uma machadada no poder dos aparelhos partidários e daí que seja uma reforma sempre adiada. A derrota do candidato, iria também responsabilizar o aparelho pela má escolha e, tendencialmente, começariam a existir verdadeiras primárias dentro dos partidos para escolha de candidatos.

Um partido cujos candidatos a lugares electivos fossem escolhidos em primárias abertas a todo o cidadão eleitor, ganharia um enorme capital de credibilidade. Os candidatos a candidatos deixariam de falar para dentro do partido e passariam a falar para a sociedade civil, a ir ao encontro dos interesses do cidadão comum. A sua legitimidade seria bem mais consistente, pois que eles eram pré-sufragados pelos mesmos eleitores que depois os iriam eleger. A política far-se-ia numa base verdadeiramente descentralizada, passaria a tratar de pequenas coisas, mas das pequenas coisas que martirizam o quotidiano do cidadão. Falar-se-ia menos em modelos de sociedade e mais em cidadania.

A implementação dos círculos uninominais implicará porém alterar a Constituição, que prevê um sistema proporcional. A alteração do sistema eleitoral não é igualmente pacífica para alguns constitucionalistas que prezam sobretudo a proporcionalidade no Parlamento das várias correntes políticas existentes, a qual seria em grande medida posta em causa com os círculos uninominais. Mas, talvez mais importante que a representatividade formal, seja a representatividade de facto. Um deputado eleito num círculo uninominal, sê-lo-á com quase metade dos eleitores a votarem contra si. Porém, uma vez eleito, ele será o deputado local, o representante de todos os eleitores do seu círculo e tenderá a ser o porta-voz e o embaixador junto do poder central dos respectivos interesses, anseios, aspirações, independentemente da cor partidária dos seus representados. Ele actuará assim, não por obrigatoriedade legal, mas no seu próprio interesse pessoal, pois o apresentar trabalho feito à sua comunidade constitui a forma mais segura de garantir a reeleição. Daqui decorre uma outra característica dos círculos uninominais, tão importante quão moralizadora: a capacidade conferida aos eleitores de premiarem ou penalizarem os seus representantes.

Isto não é naturalmente algo do agrado das oligarquias partidárias e assim se explica que há mais de uma década se fale e se adie sucessivamente a reforma das leis eleitorais. Continuará a ser adiada até que a opinião pública exija uma tal reforma. Um aumento significativo da abstenção nas eleições que se avizinham, poderá constituir um primeiro sintoma dessa exigência.

2 comentários:

Reflectindo disse...

Um artigo interessante. Cheguei para este blog a procura da explicacão duma situacao semelhante que acontece para com os deputados mocambicanos.

Abraco

ceptico disse...

Uma cruzinha de 4 em 4 anos é a democracia rasca do mais baixo nível. Há outros níveis mais elevados de democracia em muitos países europeus e não só porque têm mecanismos de participação dos cidadãos.
A participação que se limita a uma cruzinha em cada 4 anos, é uma democracia muito pobre,muito elementar, muito rasca
Mais: A recusa da participação dos cidadãos é intolerável - desde há anos que até deixou de se falar nos círculos uninominais.
Nem os media nem os comentadores politicos falam, porque sabem que o tema não agrada aos partidos.
Não. Com este sistema eleitoral não vale a pena votar
Falava-se neles como uma necessidade desde o 25 de abril
O cidadão nem sequer tem os jornais, nada; a não ser os blogues. Mas é porque os partidos não conseguem interferir na NET .