Se numa hipotética sondagem se questionarem os cidadãos sobre qual o órgão que irão eleger nas próximas eleições legislativas, palpita-me que a grande maioria responderá “o Governo” ou o “1º Ministro” e pouquíssimos responderão “o Parlamento”. Questionando-os quanto ao conhecimento dos seus representantes na Assembleia da República, poucos se lembrarão sequer do nome do cabeça da lista em quem votaram no respectivo círculo. Em sondagens já efectuadas para aferir do prestígio e (ou) notoriedade dos diferentes órgãos de soberania, o Parlamento aparece sistematicamente em último lugar.
Não me parece que isto seja surpreendente e aqueles previsíveis resultados terão pouco a ver com o maior ou menor conhecimento que as pessoas tenham das regras do sistema político. Acontece que este está totalmente desvirtuado e as pessoas sabem que, de facto, elegem o 1º Ministro, que será também na prática o verdadeiro líder parlamentar a quem competirá definir o sentido de voto dos deputados a cada momento. Estes, sabendo que a sua eleição dependeu e dependerá no futuro do ranking em que o líder partidário os colocar nas listas, acatarão acefalamente as directrizes que ele lhes transmitir. O papel legislativo e fiscalizador do Parlamento, a defesa dos interesses dos eleitorados locais, são princípios muito nobres que apenas constam no papel. Os eleitores apercebem-se intuitivamente disto, conhecem a falta de respeito generalizada pelo cumprimento dos mandatos, sabem que nada têm a esperar de deputados que geralmente não conhecem e cujas candidaturas nunca foram chamados a validar. Isto explicará em grande medida o desprestígio do Parlamento e o desprezo que os cidadãos por ele nutrem.
Os círculos uninominais, de que se fala geralmente nestas alturas para depois cair no ostracismo, permitiriam porventura colmatar muitas destas lacunas. Mas também nestas alturas, vêm geralmente a terreiro os “guardiões do sistema”, sempre com vantagem na cobertura mediática, alertando para as grandes distorções dos círculos uninominais. As suas objecções radicam basicamente em duas perspectivas, uma de natureza mais legalista, outra de cariz elitista.
A objecção legalista traz de imediato à baila o princípio da proporcionalidade, erigido em autêntica “vaca sagrada” do sistema. Este princípio ficaria ferido de morte com a implantação dos círculos uninominais, pois tenderia a eliminar a representação parlamentar dos pequenos partidos, anulando ainda qualquer hipótese de eleição de candidatos independentes.
Isto não é fatalmente assim. Os candidatos verdadeiramente independentes teriam mais hipóteses de serem eleitos, assim pudessem candidatar-se enquanto tal e conquistassem os votos suficientes. No actual sistema, candidatam-se em listas partidárias por opção dos líderes perante o qual ficarão devedores e, se alguma “independência” tinham, perdem-na a partir do momento em que integram um grupo parlamentar e têm de submeter-se à disciplina deste. Por outro lado, a eliminação dos pequenos partidos só acontece no sistema maioritário simples vigente no Reino Unido. Num sistema similar ao francês em que se exija a maioria absoluta recorrendo, se necessário, a uma 2ª volta, os pequenos partidos podem perfeitamente manter a representação parlamentar.
Mas mais importante do que isso é discutir a importância da proporcionalidade, que não passa de mero formalismo, aferindo em que medida ela se deve sobrepor a uma efectiva representatividade. Num sistema de lista plurinominal como o que temos, seja a eleição em vários círculos ou num só e com a escolha de candidatos totalmente centralizada nas oligarquias partidárias, podemos atingir uma perfeita proporcionalidade, mas a representatividade dos deputados será nula ou quase. Num regime de círculos uninominais em que a escolha dos próprios candidatos tenderia naturalmente a ser local, o candidato eleito, passaria a ser o efectivo representante do círculo, incluindo daqueles que votaram contra si e cujos interesses, no seu próprio interesse, ele tenderia também a defender em sede parlamentar. A proporcionalidade não seria a ideal, mas a representatividade, critério que deve ser fundamental numa democracia que se diz representativa, seria maximizada.
A correcção que muitos propõem ao défice de proporcionalidade pela introdução de um círculo nacional com candidaturas em listas plurinominais, mais não faria que perpetuar, porventura em maior escala e de forma mais empolada, os vícios do actual sistema: os candidatos elegíveis passariam a ser exclusivamente os que fizessem parte do inner circle do líder partidário, todos oriundos ou residentes em Lisboa. Para além disso, haveria ainda a distorção adicional de se criarem deputados de 1ª e de 2ª categoria: os “notáveis” do círculo nacional com eleição garantida, em contraposição com os candidatos locais, que teriam de angariar votos no porta a porta para conseguirem o mandato.
A objecção “elitista” remete para o risco de proliferação de “caciques locais”, para o cenário tenebroso de um Parlamento infestado de “Narcisos” e “Valentins” que desviariam a actividade para os assuntos de “paróquia”.
Eu diria que esta última constitui uma vantagem. É lícito que o eleitor com o seu voto pretenda “comprar” benefícios, sejam eles o chafariz da praceta, a estação ferroviária ou a rede de fibra óptica. O mandato do deputado deve servir fundamentalmente para defender os interesses que ele representa, pois é essa a lógica da democracia representativa.
No que concerne a “caciques” e assumindo como válido o atestado de estupidez que frequentemente passam aos eleitores, não creio que o cenário ficasse muito diferente do actual. Haveria certamente a vantagem da dispersão de “caciques”, que iriam por certo defender interesses de todo o País numa base concorrencial. Os “caciques” actuais, defendem basicamente os interesses da região de Lisboa…
Mas a alteração fundamental para um regime de círculos uninominais, seria conferir maior capacidade de escolha aos eleitores, não só na própria eleição, mas na escolha dos próprios candidatos por via de eventuais primárias. E sobretudo, a capacidade de poder à posteriori penalizar quem elegeu.
Não me parece que isto seja surpreendente e aqueles previsíveis resultados terão pouco a ver com o maior ou menor conhecimento que as pessoas tenham das regras do sistema político. Acontece que este está totalmente desvirtuado e as pessoas sabem que, de facto, elegem o 1º Ministro, que será também na prática o verdadeiro líder parlamentar a quem competirá definir o sentido de voto dos deputados a cada momento. Estes, sabendo que a sua eleição dependeu e dependerá no futuro do ranking em que o líder partidário os colocar nas listas, acatarão acefalamente as directrizes que ele lhes transmitir. O papel legislativo e fiscalizador do Parlamento, a defesa dos interesses dos eleitorados locais, são princípios muito nobres que apenas constam no papel. Os eleitores apercebem-se intuitivamente disto, conhecem a falta de respeito generalizada pelo cumprimento dos mandatos, sabem que nada têm a esperar de deputados que geralmente não conhecem e cujas candidaturas nunca foram chamados a validar. Isto explicará em grande medida o desprestígio do Parlamento e o desprezo que os cidadãos por ele nutrem.
Os círculos uninominais, de que se fala geralmente nestas alturas para depois cair no ostracismo, permitiriam porventura colmatar muitas destas lacunas. Mas também nestas alturas, vêm geralmente a terreiro os “guardiões do sistema”, sempre com vantagem na cobertura mediática, alertando para as grandes distorções dos círculos uninominais. As suas objecções radicam basicamente em duas perspectivas, uma de natureza mais legalista, outra de cariz elitista.
A objecção legalista traz de imediato à baila o princípio da proporcionalidade, erigido em autêntica “vaca sagrada” do sistema. Este princípio ficaria ferido de morte com a implantação dos círculos uninominais, pois tenderia a eliminar a representação parlamentar dos pequenos partidos, anulando ainda qualquer hipótese de eleição de candidatos independentes.
Isto não é fatalmente assim. Os candidatos verdadeiramente independentes teriam mais hipóteses de serem eleitos, assim pudessem candidatar-se enquanto tal e conquistassem os votos suficientes. No actual sistema, candidatam-se em listas partidárias por opção dos líderes perante o qual ficarão devedores e, se alguma “independência” tinham, perdem-na a partir do momento em que integram um grupo parlamentar e têm de submeter-se à disciplina deste. Por outro lado, a eliminação dos pequenos partidos só acontece no sistema maioritário simples vigente no Reino Unido. Num sistema similar ao francês em que se exija a maioria absoluta recorrendo, se necessário, a uma 2ª volta, os pequenos partidos podem perfeitamente manter a representação parlamentar.
Mas mais importante do que isso é discutir a importância da proporcionalidade, que não passa de mero formalismo, aferindo em que medida ela se deve sobrepor a uma efectiva representatividade. Num sistema de lista plurinominal como o que temos, seja a eleição em vários círculos ou num só e com a escolha de candidatos totalmente centralizada nas oligarquias partidárias, podemos atingir uma perfeita proporcionalidade, mas a representatividade dos deputados será nula ou quase. Num regime de círculos uninominais em que a escolha dos próprios candidatos tenderia naturalmente a ser local, o candidato eleito, passaria a ser o efectivo representante do círculo, incluindo daqueles que votaram contra si e cujos interesses, no seu próprio interesse, ele tenderia também a defender em sede parlamentar. A proporcionalidade não seria a ideal, mas a representatividade, critério que deve ser fundamental numa democracia que se diz representativa, seria maximizada.
A correcção que muitos propõem ao défice de proporcionalidade pela introdução de um círculo nacional com candidaturas em listas plurinominais, mais não faria que perpetuar, porventura em maior escala e de forma mais empolada, os vícios do actual sistema: os candidatos elegíveis passariam a ser exclusivamente os que fizessem parte do inner circle do líder partidário, todos oriundos ou residentes em Lisboa. Para além disso, haveria ainda a distorção adicional de se criarem deputados de 1ª e de 2ª categoria: os “notáveis” do círculo nacional com eleição garantida, em contraposição com os candidatos locais, que teriam de angariar votos no porta a porta para conseguirem o mandato.
A objecção “elitista” remete para o risco de proliferação de “caciques locais”, para o cenário tenebroso de um Parlamento infestado de “Narcisos” e “Valentins” que desviariam a actividade para os assuntos de “paróquia”.
Eu diria que esta última constitui uma vantagem. É lícito que o eleitor com o seu voto pretenda “comprar” benefícios, sejam eles o chafariz da praceta, a estação ferroviária ou a rede de fibra óptica. O mandato do deputado deve servir fundamentalmente para defender os interesses que ele representa, pois é essa a lógica da democracia representativa.
No que concerne a “caciques” e assumindo como válido o atestado de estupidez que frequentemente passam aos eleitores, não creio que o cenário ficasse muito diferente do actual. Haveria certamente a vantagem da dispersão de “caciques”, que iriam por certo defender interesses de todo o País numa base concorrencial. Os “caciques” actuais, defendem basicamente os interesses da região de Lisboa…
Mas a alteração fundamental para um regime de círculos uninominais, seria conferir maior capacidade de escolha aos eleitores, não só na própria eleição, mas na escolha dos próprios candidatos por via de eventuais primárias. E sobretudo, a capacidade de poder à posteriori penalizar quem elegeu.
Parafraseando António Barreto, “o voto é uma arma mas que deixou de ser do povo, hoje é dos líderes partidários”. Urge então devolver a arma ao povo.
3 comentários:
Concordo com basicamente tudo...Está tudo muito bem explicado. Obrigado CD-LX
Maria Filomena Mónica disse no programa "Plano Inclinado" da SIC Notícias que há 10 anos que não vota nem volta a votar enquanto o sistema eleitoral não for mudado. é uma promessa de todos os partidos desde o 25 de Abril que recusam cumprir. disse mais: é preciso que cresça a abstenção até ao ponto em que eles sejam obrigados a mudar e lei eleitoral.
eu considero que a democracia que se baseia numa cruzinha de 4 em 4 anos é uma democracia rasca, a mais elementar que só alimenta a partidocracia.
Um bom texto sem dúvida. Eu penso que o que temos não é democracia. Eu só me atrevo a chamar democracia à democracia direta. Penso que a democracia é mais que um regime político, é um estilo de vida. No entanto vendo só pela mentalidade das pessoas, tão autocratas e tão graciosamente ignorantes...duvido se é possível sequer uma sociedade democrática. Por outro lado, se adoptarmos uma perspectiva materialista dialéctica, veremos que sendo a infra-estrutura - a economia - organizada de forma autocrática em que os patrões todo podem e mandam e com a grande parte do bolo ficam, não podemos ter uma super-estrutura - leis, mentalidade, cultura, etc, - democráticas. Portanto é urgente mudar a forma de organização económica e de relacionamento à mais baixo nível entre as pessoas, tal como passar para um sistema à maneira grega antiga, claro sem escravatura ou discriminação das mulheres, em que o político e cidadão não se distinguem.
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