Recentemente foi publicado o livro “Rivoli 1989-2006” de Isabel Alves Costa que desempenhou, entre 1993 e 2006, as funções de Directora Artística do Rivoli Teatro Municipal. Sendo um livro bastante interessante é também um bom ponto de partida para uma breve reflexão sobre o novo modelo de gestão do Rivoli, que “tanta tinta fez (e faz) correr”, pelo menos desde 2006. O livro é, em parte, «um rasto daquilo que foram 13 anos à frente do Teatro na qualidade de Directora Artística», estando elaborado em forma de anuário, decorrente da necessidade que a autora sentiu «em registar, exaustivamente tudo o que no Teatro Rivoli, se programou, se fez, se imaginou e razão das nossas escolhas, a forma como as coisas foram acontecendo (ou não) e como foram apresentadas» (pág. 11). É uma narrativa que Miguel Honrado, no Posfácio, chega a caracterizar como «por vezes excessivamente minuciosa», decorrente da necessidade de «registar minuto a minuto, expectativa a expectativa, desejo a desejo, o percurso de treze anos».
Mas o livro é, também, um “manifesto” contra a decisão do actual Presidente da Câmara do Porto (Dr. Rui Rio), em alterar o modelo do Rivoli, através da concessão da sua gestão a uma entidade privada, com a extinção da Culturporto – Associação de Produção Cultural (entidade responsável pela gestão do Rivoli até 2006). O mote é logo dado por Miguel Lobo Antunes no Prefácio quando refere «a partir de 2003 a história começa a ser triste e vai-se tornando mais negra até à solução final».
Esta vertente de “manifesto” é, em minha opinião, mais interessante. Mas, em primeiro lugar, é necessário reter a concepção da autora da função do Estado no âmbito cultural, bem como os critérios que devem enquadrar uma política cultural pública. Isabel Alves da Costa considera que «uma importante missão de Serviço Público» do Estado é «a formação e desenvolvimento cultural dos cidadãos» (pág. 185). Em relação à problemática dos públicos, é completamente contra que se utilize como «critério de validação de uma programação» o número de espectadores ou taxa de ocupação (pág. 321). Por isso defende que «uma política cultural pública deveria justamente empenhar-se em desconstruir essa abstracção do “grande público”» (pág. 322). Também se mostra contrária à óptica «da rentabilização, da optimização dos recursos e dos públicos», já que «esta política “contabilística”» terá como consequência a «banalização» (pág. 322). Por fim, Isabel Alves da Costa não concorda com a noção de que as «despesas culturais públicas … devem ser “rentáveis”», isto porque a «actividade cultural e artística [têm] uma natureza não económica» (pág. 322). Assim, aplicação de conceitos de optimização, rentabilização mas não é do que importar a «lógica de mercado … [que] resulta de uma degradação do próprio princípio da democratização da cultura e da missão de serviço público das instituições culturais» (pág. 323).
Esta concepção das funções do Estado e dos critérios de avaliação das políticas públicas explica muitas omissões e imprecisões. Comecemos pelo custo de funcionamento do Rivoli. Isabel Alves Costa apresenta para cada ano (de 1998 a 2006) o valor do orçamento na vertente de programação. Considerando o período 2003 a 2006, o somatório dos montantes reportados pela autora é de 920.000 euros o que, de facto, não parece excessivo.
Acontece que não traduz minimamente o custo total do Teatro Rivoli. Assim, para o período em causa (2003/2006) o custo total do Rivoli foi de 10.769.019 euros. Este valor foi financiado por duas vias: a) receitas de bilheteira, que ascenderam a 826.649 euros (7,8% do custo total); b) transferências da Câmara Municipal do Porto (CMP), num total de 9.942.237 euros. Isto é, o custo efectivo para a cidade do Porto do Rivoli (9.942.237 euros) é dez vezes superior ao custo apresentado por Isabel Alves Costa, sendo quase o dobro do dispendido pela CMP, em igual período, na reabilitação das escolas básicas.
Com o novo modelo de gestão, em 2007 (ano de transição), e de acordo com o Relatório de Gestão da CMP, o total dispendido foi de apenas 250.000 euros. Assim, em 2007, comparativamente a 2006, a cidade do Porto teve uma poupança de 1.899.599 euros (representa, por exemplo, cerca de 60% do total do orçamento da CMP em Acção Social).
Mais curioso é a quase total omissão, ao longo das 375 páginas, de informação relativa ao total de espectadores. Como já referimos, para a autora, é totalmente desprezível saber se a programação tinha ou não espectadores. No entanto, seria de esperar que ao fazer um balanço tão detalhado tivesse incluído alguma informação a esse respeito. Mas as únicas referências (páginas 259 e 357) são breves e superficiais. Façamos alguma comparação. Para o período de 2003/2006, o total de espectadores foi de 545.614 (dos quais 51.070 público infantil), num total de 1.974 sessões (média de 276 espectadores por sessão). A taxa de ocupação da sala oscilou entre os 57% e 64%. Para o biénio 2007/2008 (sendo 2007, apenas o segundo semestre) o total de espectadores foi 788.588 (dos quais 181.344 público infantil), num total de 1.100 sessões (média de 717 espectadores por sessão), com a taxa de ocupação a oscilar entre os 82% e os 94%. Assim, comprando o último ano e meio (Julho.2007 a Dezembro.2008) com os quatro anos anteriores, temos que o novo modelo de gestão permitiu que o total de espectadores fosse superior em 242.974 (dos quais 130.274 público infantil), com a média por sessão a aumentar 160%. Isto tudo com um custo praticamente nulo para a CMP, que contrasta com os 10 milhões de euros gastos em 2003/2006.
Ao observar estes números é curioso (para não dizer caricato) relembrar as declarações de Ada Pereira da Silva, responsável pela Plateia, Associação de Profissionais das Artes Cénicas, no “Fórum do País”, emitido na RTP-N em Agosto.2006. Ao comentar o valor médio de cerca 400 espectadores por dia no Rivoli em 2005, Ada Ferreira classificou-o como «considerável e dificilmente ultrapassável por um privado». Em 2008 o valor médio de espectadores por dia foi 1.350 (mais do triplo). É difícil imaginar uma solução melhor e mais barata.
São também totalmente infundadas as críticas de que este novo modelo resulta de secundarização da política cultural por parte da CMP, reflectindo uma visão meramente economicista da cultura. Uma vez mais basta consultar o Relatório de Gestão de 2007 da CMP. Nesse ano, o valor total gasto com actividades culturais foi cerca de 9 milhões de euros correspondendo a 4,6% do orçamento. Para se relativizar este montante veja-se, por exemplo, que é praticamente o mesmo do dispendido em Segurança e Ordem Públicas (10 milhões de euros) e Educação (10 milhões de euros), o triplo do gasto em Acção Social (3 milhões euros), e ligeiramente inferior à despesa com Resíduos Sólidos (13 milhões de euros). Relembre-se que, em 2007, já foi um ano que o novo modelo permitiu uma poupança de cerca de 2 milhões de euros.
Estes números permitem desmitificar a ideia de que a CMP não apoia a cultura, não sendo contudo, a sua prioridade absoluta. E, como Isabel Alves da Costa reconhece, as prioridades da CMP «eram (e continuam a ser) as áreas da Habitação e da Coesão Social» (pág. 290). Assim, o novo modelo de gestão do Rivoli enquadra-se numa política de reequilíbrio de utilização de recursos já que há a perfeita noção de que estes são escassos e, consequentemente, têm de ser bem geridos.
Estas opções não traduzem uma «”obsessão dos bairros”» (pág. 290), como depreciativamente é classificado no livro de Isabel Alves da Costa. Traduzem opções políticas que hierarquizam prioridades: o reforço do apoio à cultura ou, alternativamente, o reforço de verbas para o fornecimento de refeições escolares (mais 11% em 2007), o aumento das actividades de enriquecimento curricular (mais 9% em 2007) e de actividades de coadjuvação curricular (mais 12,5% em 2007) no total de 5.331 e 5.000 alunos, respectivamente (Relatório de Gestão de CMP 2007).
Em ano de eleições autárquicas é este tipo de perguntas que o PS, e designadamente a Prof. Dra. Elisa Ferreira, devem responder. Concorda ou não com o novo modelo de gestão do Rivoli? Se defende o anterior modelo, qual o incremento de despesa previsto? Como irá financiar essa nova despesa? Em que rubricas irá cortar? Até agora da Prof. Dra. Elisa Ferreira nem uma palavra. Esperemos, contudo, que não padeça do mesmo mal que os seus colegas de Partido, designadamente do vereador Miguel von Hafe, que após decisão desfavorável do Tribunal Central Administrativo do Norte relativamente à providência cautelar interposta para suspender a eficácia da decisão camarária de entregar a gestão do Rivoli a Filipe Lá Féria, se mostrou incontactável, não explicando os motivos pelos quais não apresentou recurso (JN de 15.Abril.2008).
2 comentários:
Caro Luís,
Parabéns pelo teu post. Concordo em absoluto. Venho a este blog na esperança que escrevas mais opiniões.
Pedro Sampaio
Antes de mais, parabéns pela exposição. Em relação ao Rivoli, estou inteiramente de acordo com o novo modelo de gestão que impõe no Porto uma nova Cultura para Todos! Não posso deixar, no entanto, de lamentar que a CMP gaste tanto em Cultura como no conjunto de áreas como Segurança e Obras Públicas (pelo menos assim entendi na exposião). A Cultura não deve seguramente ser função primeira do Estado ou Autarquias. Aos meus olhos, o Porto é hoje uma cidade perfeitamente insegura e com carências profundas de obras públicas. Duas áreas, aliás, com importância acrescida quando se pede mais qualidade de vida para as populações. Em resumo, para ir ver as peças do La Féria ou vou a pé/transportes públicos e me arrisco a ser assaltada ou vou de carro, por ruas sinosas e pago tanto de parque como de bilhete. Perante isto, não vou. E pronto.
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