segunda-feira, 2 de março de 2009

Conversas com "O Diabo" sobre a Banca

Declarações ao semanário O Diabo, constantes na edição de 9 de Dezembro de 2008:
P - Como comenta a participação do Governo no plano de salvamento do Banco Privado Português? É de facto «a imagem de Portugal» que está em causa, como diz o Governo? É justificável esta intervenção por parte do Estado?
R - A posição do governo e também do Banco de Portugal é um mar de contradições. Este começou desde logo por negar a garantia solicitada para 750 milhões de euros, apontando apenas para 45 milhões, tendo em conta o seu peso exíguo no sistema bancário; aquele, pela voz do ministro das finanças foi afirmando que a falência do BPP não acarretava risco sistémico, não estando disposto a injectar fundos e a criar precedentes que poderiam amanhã motivar reivindicações de outros sectores. Mas quase em simultâneo, o BP afirmava que estava à procura de uma solução. No final, baralhou-se e deu-se de novo, ou seja, montou-se um financiamento de 500 milhões aportado por um sindicato bancário, obtendo este uma garantia do Estado para obter o correspondente funding, tendo este por sua vez uma garantia dada por activos do BPN supostamente avaliados em 670 milhões. Mas qual a entidade externa e independente que avaliou tais activos? Quem nos garante o rigor da avaliação?

A "imagem" e o "prestígio" do País, são conceitos abstractos e balofos que nos vendem amiúde para fundamentar decisões e gastos de difícil justificação. Já ouvimos falar deles a propósito da Expo 98, do Euro 2004, do aeroporto ou do TGV. O resultado visível e que todos sentimos, tem sido o empobrecimento contínuo do País nos últimos anos. A hipotética falência de um banco que vale 0,2% do sistema bancário de um país minúsculo e pobre, nem em Espanha seria notícia. O seu impacto seria insignificante, nada comparável com as ondas de choque resultantes da falência da Lehman Brothers ou do Washington Mutual. Não consta que na altura os EUA ficassem muito preocupados com questões de imagem.

A questão de fundo é outra e tem a ver fundamentalmente com a conjugação de interesses da
estrutura accionista / clientes do BPP e do Estado / sistema partidário. Aqueles sempre dependentes da adjudicação de negócios por parte do Estado, estes sempre ciosos da "boa saúde" dos financiadores das campanhas eleitorais.

Ocorra amanhã algum problema de insolvência com uma qualquer e obscura Caixa de Crédito Agrícola da província de dimensão semelhante ao BPP e tenho sérias dúvidas que huvesse tão rápidas diligências das autoridades para socorrê-la.
P - Compreende-se que se esteja a tentar salvar um banco....mas ao mesmo tempo os seus patrões foram «brindados» com lucros fabulosos nos últimos anos?
R - Não me incluo nos que vociferam, com base em pretensos moralismos, nos elevados salários dos administradores. As Instituições e respectivos accionistas devem ser livres de fixar os salários que muito bem entendam aos gestores que contratam. Quem se escandalizar com os seus valores, só tem de recusar trabalhar em tais entidades ou negociar com elas. Assim como não me chocam os “lucros fabulosos” que as empresas obtenham, desde que o consigam num contexto concorrencial, legal e transparente. Todos nós viveremos melhor se no País proliferarem empresas lucrativas e rarearem as deficitárias.

O que é inaceitável é a situação de lucros privados e públicos prejuízos que, infelizmente, se está a tornar padrão por esse mundo fora. Quem assume os riscos de um negócio, qualquer que ele seja, deve ser premiado pelo sucesso e penalizado pelos fracassos. Tão simples e claro, para alguns cruel e implacável, como isto. E nesta regra de ouro, reside toda uma ética do sistema de livre mercado – o mais eficaz e equitativo que a humanidade já inventou, não obstante todos os seus defeitos – que está a ser totalmente pervertida. É de uma flagrante desonestidade assacar culpas a um sistema cujas regras de funcionamento são permanentemente distorcidas pelos mesmos que o diabolizam.
P - O secretário de Estado do Tesouro e Finanças, Carlos Costa Pina, garantiu que os contribuintes não serão prejudicados com esta intervenção do Governo. Será mesmo assim?
R - Se tudo correr bem e tivermos retoma da economia em menos de um ano, o Estado até poderá ganhar com as comissões pelas garantias prestadas. O problema reside no custo de oportunidade de tantos milhões politicamente direccionados e no precedente que se está a criar. Os lobbies mais fortes (indústria automóvel, têxteis, transportadores) já se começam a posicionar para obter a sua quota parte de ajudas. No fundo vamos assistir a uma transferência de recursos a favor daqueles que têm maior capacidade de influenciar o poder político, que não são necessariamente os agentes económicos mais eficientes. No final, todos estes apoios se reflectirão no défice orçamental ou na dívida pública, logo no contribuinte.

A solução economicamente mais racional e equitativa para todos os cidadãos passaria por uma baixa generalizada e significativa dos principais impostos (IRS, IRC e IVA), acompanhada por um corte agressivo nas despesas públicas, de funcionamento e sobretudo nos mega-projectos de investimento. Isto redundaria em maior liberdade para os cidadãos e agentes económicos e, sobretudo, numa redução dos poderes do Estado, algo que nenhum dos partidos políticos aceita. Aqui reside o impasse do nosso sistema, que vai muito para além da presente crise.

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