quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Em defesa da 4ª República

Neste País os temas de discussão pública são, sistemàticamente, os que façam parte da agenda mediática, sendo esta marcada quase que exclusivamente pelas televisões. Os critérios de selecção destas, não se regem pròpriamente pela importância estruturante dos temas para a colectividade, mas pelo espectáculo, estridência, escândalo que aqueles possam propiciar. Sexo, sangue, medo e voyeurismo!!! Se analisarmos as notícias e programas que têm sido mais “badalados”, de imediato se conclui que, na sua grande maioria, se manipulam emocionalmente aqueles instintos, muitas vezes de forma primária.
Temos assim que o Big Brother foi durante muito tempo um maná mediático, com sexo e voyeurismo q.b., adequadamente temperado com alguma histeria e lágrimas assolapadas; a invasão do Iraque combinou na perfeição o sangue e o medo com a histeria pacifista, sempre encabeçada pelos mesmos que pararam em Maio de 68; o folhetim da Casa Pia que se vem eternizando tem-se revelado um filão inesgotável, com doses cavalares de sexo, medo, voyeurismo e muita, muita chantagem emocional; também muito medo foi incutido com a "gripe das aves", que se revelou mais uma psicose colectiva tirada a papel químico do seu antecessor, o dossier das “vacas loucas”.
Em suma, muito barulho, mas pouca informação e quase nenhum esclarecimento. Mesmo nos programas de cariz vincadamente político, como é o caso do “Prós & Contras”, é nítida a relevância que se dá à vertente do espectáculo e escandaloso o seguidismo face à cartilha propagandística do governo; a alternativa está pràticamente limitada à "homília" dominical do "nosso" Marcelo, que nos vai entretendo com recicladas "conversas em família" e à pluralista “Quadratura do Círculo” da SIC/Notícias, a afundar-se porém cada vez mais no “cinzentismo” dos seus comentadores, os quais, diga-se, vestem muito bem o fato de figuras do regime.

E é a natureza do regime, cada vez mais retintamente salazarista e corporativa, que interessava discutir na praça pública, mas que ninguém tem coragem (ou interesse) em encetar. Há uns anos o governo Barroso, espicaçado pelo então Presidente Sampaio, lançou à discussão a “reforma do sistema político”. Desde logo, a terminologia escolhida tresandava a “evolução na continuidade”, o que se confirmou à posteriori. A discussão, se alguma houve, fez-se de forma muito sigilosa e restrita às figuras gradas do regime, indiciando desde logo meras alterações de cosmética, para manter incólume a verdadeira natureza daquele, com rugas cada vez mais profundas. Muito pontualmente, verificaram-se umas surtidas da fortaleza de S. Bento em tom mais ou menos coloquial, mas sempre moderadas por um “pai do regime” que, sistemàticamente, faz a apologia do filho, transigindo apenas num ou noutro pequeno correctivo.
Dos correctivos que se foram defendendo, o mais polémico e incómodo foi o da limitação de mandatos, implementado pelo governo Sócrates que lhe juntou a estúpida lei da paridade. O resultado prático disto, como sempre acontece quando se reduz o leque de escolhas, irá redundar num reforço do centralismo, do nepotismo, das oligarquias partidárias e no aumento da mediocridade dos candidatos. Outros "correctivos" vêm periodicamente à baila, como os cargos de Ministro da República das Regiões Autónomas e de Governador Civil a que todos reconhecem total inutilidade mas ninguém ousa extinguir, as áreas metropolitanas, "moda" criada por Miguel Relvas mas que não podem subsistir sem metrópoles e a eterna alteração da lei eleitoral, já tantas vezes prometida e outras tantas “engavetada”.
De outras minudências se vai falando em surdina, mas nada de verdadeiramente estruturante que consiga tudo mudar, deixando apenas algo na mesma. É que o verdadeiro problema, dizem os “pais do regime”, está nas pessoas e no seu comportamento do dia a dia, na sua forma de encarar a coisa pública, imutável desde os tempos de Eça e de Camilo. E as características intrínsecas de um povo não se mudam com reformas dos sistemas, estes é que se devem adaptar à evolução do todo social.
Esta argumentação arrasa. Mas, vendo bem, a sociedade tem evoluído e de forma cada vez mais acelerada; o Estado mantém-se imutável. A Economia globaliza-se a uma cadência crescente; os poderes públicos mantêm-se estáticos. Quem investe e tem dinâmica necessitava de uma administração pública mais ágil e com capacidade de resposta; esta insiste numa postura paquidérmica.
Verifica-se de facto uma incapacidade gritante das lideranças políticas em definirem estratégias, o que não admira, dado que se esgotam na gestão quotidiana da máquina do Estado. Ou seja, o objectivo fundamental deveria passar pela redução do peso do Estado que, com a sua actual dimensão, é causa de entropias por toda a sociedade. E reduzir o peso do Estado significa mudar completamente de regime e criar a 4ª República.
Desde logo, tal implicava uma nova Constituição que, idealmente, deveria ser virada para a defesa e garantia dos direitos do cidadão e extremamente limitativa dos poderes do Estado. Já agora, conviria que a mesma não tivesse mais de 15 artigos, para que todos a pudessemos saber de cor. Outro objectivo do novo regime, deveria ser o desmantelamento do salazarismo, o qual fàcilmente se executaria pela revogação pura e simples de todo o edifício legal que martiriza o quotidiano das pessoas e dos agentes económicos e o que outorga o poder às corporações – por exemplo, acabar-se-ia assim com a obrigatoriedade de os médicos, advogados, engenheiros ou economistas se filiarem na respectiva Ordem. A redução do Estado poderia (e deveria) também passar por uma ampla reforma da divisão administrativa do País. Será que ainda faz sentido a divisão concelhia do Mouzinho da Silveira? Terá alguma lógica este País estar dividido em 305 concelhos (muitos com dimensão inferior a alguns condomínios) e mais de 4.000 freguesias? Porque não reduzir estas para 1.000 e aqueles para não mais de 100? A lei eleitoral deveria ser uma só, aplicável a eleições para o poder central, regional e local. Ou seja o sistema eleitoral (que não vou agora discutir), deveria ser uniforme para todos os órgãos de poder. Importante seria que o executivo (ou o seu presidente) fosse eleito directamente, e não emanasse da Assembleia, como hoje acontece, mas respondesse perante ela. Acabar-se-iam com as eternas polémicas Governo / Presidência e dignificar-se-ia o Parlamento, que exerceria o verdadeiro papel de controlo do executivo.

Estas questões e muitas outras têm toda a actualidade, mas são incómodas e mexem com muitos interesses instalados. Mas se pretendemos de facto mudar, não podemos deixar de as equacionar. A questão que se põe, porém, é como mudar de regime em democracia? Pessoalmente, só vejo uma hipótese: um Partido apresentar-se a sufrágio com um programa claro de ruptura e ser vencedor. Teria toda a legitimidade para executar uma "agenda fracturante". Eu julgo que só o PSD, pelo tradicional inconformismo do seu eleitorado e abertura à mudança, estará em condições de adoptar um tal programa. Mas terá de sair do estado de letargia em que há muito se encontra.

Sem comentários: