Uma forma de se aferir a capacidade de um dado partido para reformar o País, é determinar a capacidade que ele tem de se reformar a si próprio. Mais do que isso, a vontade de implementar mudanças na sua estrutura e funcionamento internos que reflictam minimamente as mudanças sociais que ocorrem ou estão para ocorrer e, se possível, conseguir ser gerador daquelas.
Em democracia, os líderes fortes e clarividentes são os que conseguem apreender sinais implícitos de riscos ou desejos de mudança e têm a arte de saber explicitá-los para melhor concretizar as mudanças e prevenir os riscos. Mário Soares apercebeu-se da iminência de uma ditadura comunista em 1975 e conseguiu barricar o País contra ela; Sá Carneiro viu antes de todos o abcesso que representava o Conselho da Revolução numa democracia que se pretendia europeia e perdeu (as presidenciais) por ter razão antes do tempo; Cavaco Silva adivinhou as aspirações consumistas de uma classe média em ascensão e criou condições para que todos comprassem automóvel, micro-ondas e televisão a cores.
Porém, hoje os grandes partidos estão perfeitamente incapazes de analisar a sociedade em que se inserem, de tal forma estão virados para dentro de si próprios, para os grupos de interesse que os dominam, para a manutenção e consolidação dos seus privilégios. Preocupam-se em surdina com o aumento consistente da abstenção, mas são incapazes de determinar as suas causas. Pontualmente, alguém mais lúcido alerta para um défice de “causas” mobilizadoras, mas de imediato é ostracizado. Causas a sério são incompatíveis com os interesses de grupos, porque, transversais a estes, questionarão inevitavelmente a sua subsistência.
Diga-se que é perfeitamente normal que os grandes partidos – em Portugal, o PSD e o PS – reflictam dentro de si os diferentes grupos da sociedade. Em qualquer parte do mundo, os partidos que disputam o poder são por natureza frentistas, uma amálgama de grupos por vezes contraditórios, o que tem como consequência o esbatimento de questões ideológicas e o prevalecimento do chamado pragmatismo.
O problema põe-se porém na corporização interna dos diferentes grupos que tende a verificar-se naqueles que são menos dinâmicos. A forma como se concretiza essa corporização tende a conferir-lhes uma força interna que vai muito para além da sua real representatividade e constitui muitas vezes um bloqueio sério a quaisquer mudanças de fundo.
É relevante aqui o papel das juventudes partidárias, as chamadas “jotas”. Inicialmente meros coladores de cartazes propagandísticos, bem cedo se aperceberam da oportunidade de rentabilizarem essa “nobre” função. Conjugada esta actividade com algumas vitórias em associações estudantis, facilmente “venderam” a sua imprescindibilidade ao crescimento, implantação e glória partidários. De imediato passaram à reivindicação de prebendas e sinecuras e hoje não há candidatura, seja para a mais insignificante Junta de Freguesia ou para o Parlamento Europeu, que não disponibilize lugares elegíveis aos “representantes da juventude”.
Havia porém que imunizar esta capacidade electiva aos ciclos políticos e nada melhor que consagrar estaturariamente a organização no partido. É assim que as “jotas” têm hoje garantida uma quota de representantes seus por inerência em todos os órgãos da estrutura partidária, representantes esses a quem cabe apenas a si eleger. Isto sem prejuízo da capacidade eleitoral dos seus membros enquanto militantes comuns.
Estas “técnicas” tenderam naturalmente a ser emuladas por outros grupos igualmente activos e, por via disso, igualmente “imprescindíveis” ao partido. Destes, destacam-se já com espaços demarcados as organizações sindicalistas e de autarcas, as das mulheres em vias de se institucionalizar e, por este andar, estará a caminho a consagração das organizações de homens, de velhos, de homossexuais, de deficientes, de ecologistas e por aí fora.
Como corolário disto, os órgãos dirigentes dos partidos ficam completamente reféns destes grupos, dada a maior capacidade electiva que lhes está atribuída. No limite, uma mesma pessoa que faça parte em simultâneo de várias daquelas corporações, vota nas eleições internas não só na qualidade de simples militante, mas também como membro da “jota”, da organização sindical, da organização de autarcas e (ou) de outra que esteja estatutariamente consagrada. Ou seja, estes grupos fazem o pleno de representantes seus nas inerências de que beneficiam e, pelos sindicatos de voto que sempre formam, conseguem geralmente aumentar a sua representação nas listas gerais. Assim se atinge a perversão completa de um princípio que devia ser sagrado na democracia, qual seja o de “uma pessoa, um voto”. O militante comum, por seu lado, sente-se cada vez mais espartilhado por estas corporações, cujo único objectivo é a defesa de interesses que pouco ou nada lhe dizem. A sua participação será cada vez menor, com tendência para a extinção, pura e simples.
Todos estes grupos, uma vez obtido o poder pelo respectivo partido, constituem uma enormíssima reserva de boys, ávidos de jobs que nunca serão em excesso, mas para cuja criação adicional jamais regatearão a sua criatividade. As pressões sobre o governo serão permanentes e não admira que, ao fim destes anos todos, tenhamos hoje uma Administração Pública completamente infestada de “altos quadros” cujas garantias curriculares iniciais para as funções eram apenas o ser jovem, sindicalista, autarca, etc. Exemplo mais paradigmático, o de José Sócrates, que debutou politicamente na JSD, donde transitou para o PS e chegou a 1º Ministro sem que se lhe conheça qualquer curriculum profissional.
É assim que qualquer grande assembleia ou congresso partidário que hoje se realize, com quase 100% dos respectivos participantes a dependerem do Orçamento de Estado, mais não são que meras reuniões de quadros da função pública. Lógico portanto que aqueles “fóruns” sejam cada vez mais sensaborões. Discutem-se neles os interesses dos burocratas, jamais os dos cidadãos. Estes reajem, virando costas aos partidos e abstendo-se...
Em democracia, os líderes fortes e clarividentes são os que conseguem apreender sinais implícitos de riscos ou desejos de mudança e têm a arte de saber explicitá-los para melhor concretizar as mudanças e prevenir os riscos. Mário Soares apercebeu-se da iminência de uma ditadura comunista em 1975 e conseguiu barricar o País contra ela; Sá Carneiro viu antes de todos o abcesso que representava o Conselho da Revolução numa democracia que se pretendia europeia e perdeu (as presidenciais) por ter razão antes do tempo; Cavaco Silva adivinhou as aspirações consumistas de uma classe média em ascensão e criou condições para que todos comprassem automóvel, micro-ondas e televisão a cores.
Porém, hoje os grandes partidos estão perfeitamente incapazes de analisar a sociedade em que se inserem, de tal forma estão virados para dentro de si próprios, para os grupos de interesse que os dominam, para a manutenção e consolidação dos seus privilégios. Preocupam-se em surdina com o aumento consistente da abstenção, mas são incapazes de determinar as suas causas. Pontualmente, alguém mais lúcido alerta para um défice de “causas” mobilizadoras, mas de imediato é ostracizado. Causas a sério são incompatíveis com os interesses de grupos, porque, transversais a estes, questionarão inevitavelmente a sua subsistência.
Diga-se que é perfeitamente normal que os grandes partidos – em Portugal, o PSD e o PS – reflictam dentro de si os diferentes grupos da sociedade. Em qualquer parte do mundo, os partidos que disputam o poder são por natureza frentistas, uma amálgama de grupos por vezes contraditórios, o que tem como consequência o esbatimento de questões ideológicas e o prevalecimento do chamado pragmatismo.
O problema põe-se porém na corporização interna dos diferentes grupos que tende a verificar-se naqueles que são menos dinâmicos. A forma como se concretiza essa corporização tende a conferir-lhes uma força interna que vai muito para além da sua real representatividade e constitui muitas vezes um bloqueio sério a quaisquer mudanças de fundo.
É relevante aqui o papel das juventudes partidárias, as chamadas “jotas”. Inicialmente meros coladores de cartazes propagandísticos, bem cedo se aperceberam da oportunidade de rentabilizarem essa “nobre” função. Conjugada esta actividade com algumas vitórias em associações estudantis, facilmente “venderam” a sua imprescindibilidade ao crescimento, implantação e glória partidários. De imediato passaram à reivindicação de prebendas e sinecuras e hoje não há candidatura, seja para a mais insignificante Junta de Freguesia ou para o Parlamento Europeu, que não disponibilize lugares elegíveis aos “representantes da juventude”.
Havia porém que imunizar esta capacidade electiva aos ciclos políticos e nada melhor que consagrar estaturariamente a organização no partido. É assim que as “jotas” têm hoje garantida uma quota de representantes seus por inerência em todos os órgãos da estrutura partidária, representantes esses a quem cabe apenas a si eleger. Isto sem prejuízo da capacidade eleitoral dos seus membros enquanto militantes comuns.
Estas “técnicas” tenderam naturalmente a ser emuladas por outros grupos igualmente activos e, por via disso, igualmente “imprescindíveis” ao partido. Destes, destacam-se já com espaços demarcados as organizações sindicalistas e de autarcas, as das mulheres em vias de se institucionalizar e, por este andar, estará a caminho a consagração das organizações de homens, de velhos, de homossexuais, de deficientes, de ecologistas e por aí fora.
Como corolário disto, os órgãos dirigentes dos partidos ficam completamente reféns destes grupos, dada a maior capacidade electiva que lhes está atribuída. No limite, uma mesma pessoa que faça parte em simultâneo de várias daquelas corporações, vota nas eleições internas não só na qualidade de simples militante, mas também como membro da “jota”, da organização sindical, da organização de autarcas e (ou) de outra que esteja estatutariamente consagrada. Ou seja, estes grupos fazem o pleno de representantes seus nas inerências de que beneficiam e, pelos sindicatos de voto que sempre formam, conseguem geralmente aumentar a sua representação nas listas gerais. Assim se atinge a perversão completa de um princípio que devia ser sagrado na democracia, qual seja o de “uma pessoa, um voto”. O militante comum, por seu lado, sente-se cada vez mais espartilhado por estas corporações, cujo único objectivo é a defesa de interesses que pouco ou nada lhe dizem. A sua participação será cada vez menor, com tendência para a extinção, pura e simples.
Todos estes grupos, uma vez obtido o poder pelo respectivo partido, constituem uma enormíssima reserva de boys, ávidos de jobs que nunca serão em excesso, mas para cuja criação adicional jamais regatearão a sua criatividade. As pressões sobre o governo serão permanentes e não admira que, ao fim destes anos todos, tenhamos hoje uma Administração Pública completamente infestada de “altos quadros” cujas garantias curriculares iniciais para as funções eram apenas o ser jovem, sindicalista, autarca, etc. Exemplo mais paradigmático, o de José Sócrates, que debutou politicamente na JSD, donde transitou para o PS e chegou a 1º Ministro sem que se lhe conheça qualquer curriculum profissional.
É assim que qualquer grande assembleia ou congresso partidário que hoje se realize, com quase 100% dos respectivos participantes a dependerem do Orçamento de Estado, mais não são que meras reuniões de quadros da função pública. Lógico portanto que aqueles “fóruns” sejam cada vez mais sensaborões. Discutem-se neles os interesses dos burocratas, jamais os dos cidadãos. Estes reajem, virando costas aos partidos e abstendo-se...
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