Por Luis Filipe Menezes
"O PSD perdeu quatro de cinco eleições legislativas, realizadas no pós-cavaquismo. Em 14 anos de exercício de poder governativo, esteve na sua liderança menos de três anos.
Com a derrota nas legislativas de Setembro vão passar 18 anos em que se limitará a ter exercido responsabilidades governativas em escassos 16 por cento desse período temporal! Em 27 de Setembro obteve 29 por cento de votos, o pior desempenho em 30 anos, enquanto partido de oposição (igualando o resultado da injustamente "diabolizada" liderança de Pedro Santana Lopes)!
Tudo isto após quatro anos de governação socialista crispada, tur-bulenta e contestada, como nenhuma outra o havia sido antes.
José Sócrates, em pouco mais de quatro anos, confrontou-se com cinco presidentes do PSD (Durão Barroso, Santana Lopes, Marques Mendes, Ferreira Leite e comigo próprio)! Nos últimos seis anos a oposição democrática espanhola é liderada pelo mesmo político, Mariano Rajoy, que já perdeu duas eleições legislativas e que se prepara para ser candidato de novo a chefe do Governo daqui a três anos!
Se enquadrarmos todo o período pós-cavaquista, confirma-se a regra da instabilidade doentia. O PS teve, desde então, três secretários-gerais (Guterres, Ferro Rodrigues e Sócrates) e os sociais-democratas tiveram "só" sete presidentes (os atrás referidos e ainda Marcelo Rebelo de Sousa e Fernando Nogueira). Paradoxalmente, três deles não tiveram sequer a oportunidade de sobreviver à permanente conspiração intrapartidária e submeterem-se ao sufrágio do eleitorado.
Se este quadro é por si só muito preocupante, a situação actual somou-lhe novos ingredientes que o tornam pré-apocalíptico. No Parlamento, ganharam um novo protagonismo quantitativo os partidos minoritários das franjas do sistema (CDS e BE). O Presidente da República fragilizou-se com as últimas intervenções públicas e colocou-se em dificuldade para a corrida da reeleição. O PS, ao recuperar um diferencial de 18 presidências de câmara, posicionou-se na pole position para o próximo embate autárquico, estruturante, porque vão sair de cena mais de uma centena de autarcas - a larga maioria, cerca de oitenta, sociais-democratas. Ou seja, um PSD fragilizado na importante frente parlamentar vê ameaçados os seus outros redutos de afirmação de soberania - a Presidência da República e o poder local. O cenário da desagregação, ainda não evidente, tem que ser imediatamente contrariado. O sistema político português pode, a partir de agora, seguir dois caminhos: o da consolidação de um partido hegemónico que se apoia circunstancialmente em partidos minoritários da esquerda e da direita, ou o de retomar um bipartidarismo consistente. O segundo cenário é o ideal e o que mais preserva a defesa de uma sociedade plural. Para isso é necessário um PSD forte, credível e renovado.
Alguns que têm teorizado sobre a crise do maior partido da oposição referem que ela nada tem de ideológico, estratégico ou programático. Afirmam que se trata de uma complexa teia de inimizades pessoais fratricidas. Discordo em absoluto. Ao contrário, as divisões resultam da ausência prolongada de um cimento aglutinador que tem a ver com ideias, propostas e idiossincrasia comportamental. O PSD precisa pois de ser refundado, apelando ao que de mais profundo existe na sua alma. O PSD das legislativas de 2009 tem que ser esquecido. Esse PSD anti-Estado social, anti-ousadia económica e timorato nas questões de costumes e valores, nunca mais voltará a ganhar uma única eleição.
Refundação significa afirmar uma visão social-democrata moderna na defesa do núcleo central dos Direitos Sociais - Educação, Saúde, Segurança Social. Uma visão liberal quanto baste na defesa de um modelo de organização e dinamismo das actividades económicas. Uma atitude tolerante na leitura e na compreensão dos comportamentos humanos.
Refundação significa ter a coragem de avançar - esta é uma legislatura com esses poderes - com uma profunda reforma constitucional / uma nova Constituição, que reformasse a Segunda República. Tudo pode e deve ser debatido, a começar pelo ultrapassado sistema semipresidencial herdado da Revolução de Abril.
Refundação significa lucidez estratégica na co-responsabilização com as grandes questões de Estado. Sentido de responsabilidade que levou o PSD a viabilizar os orçamentos que conduziram à moeda única, sentido de oportunidade que não é compatível com o actual discurso tremendista, que parece querer fazer o favor de derrubar o Governo de José Sócrates, por forma a oferecer-lhe de bandeja uma nova maioria absoluta.
Refundação significa um programa eleitoral perene e claro, que transmita confiança e possibilite a opção dos cidadãos. Não é mais possível ser pró-TGV, pró-estabilidade fiscal e pró-avaliação dos professores às segundas, quartas e sextas e defender o oposto às terças, quintas e sábados.
Refundação significa dar o estatuto de senadores à geração que conduziu às vitórias eleitorais das décadas de 80 e 90, mas abrir as portas a uma nova geração de quadros, descomprometidos com o melhor, mas também com o pior - a última década e meia - desse período da nossa vida democrática.
Refundação significa respeitar e apoiar Cavaco Silva, mas perceber que o PSD não pode ficar refém das suas estratégias pessoais.
Finalmente, é uma enorme insensatez defender que o PSD pode viver esta agonia até Maio, ou seja, mais sete meses - 1/6 da legislatura, metade do tempo que vai decorrer até ao próximo embate eleitoral, as presidenciais de Janeiro de 2011. Um partido alternativo não pode estar mais de meio ano em desconto de tempo. A política não é basquetebol!
O actual PSD só em divagação nostálgica pode ainda ser apelidado de partido de poder. Não queiram transformar esta circunstância numa verdade permanente.
A actual direcção deve ter a seriedade de promover o debate interno susceptível de colocar o partido e o país a discutir esta realidade, colocar as secções, as distritais e os militantes a conversar sobre elas, deixar que todos os que se consideram "notáveis" se reúnam da forma que entenderem e quiserem. Mas deve fazer tudo isto com a celeridade possível. O ideal seria até que, tal como já aconteceu no passado, este período de reflexão e debate ficasse nas mãos do Presidente do Congresso com uma equipa por ele constituída em Conselho Nacional.
A escolha do novo líder, assente nos novos pressupostos atrás expostos, nunca deveria ir para além de Janeiro. Em 2010 para o PSD devia prevalecer o lema Ano Novo, Vida Nova. "
"O PSD perdeu quatro de cinco eleições legislativas, realizadas no pós-cavaquismo. Em 14 anos de exercício de poder governativo, esteve na sua liderança menos de três anos.
Com a derrota nas legislativas de Setembro vão passar 18 anos em que se limitará a ter exercido responsabilidades governativas em escassos 16 por cento desse período temporal! Em 27 de Setembro obteve 29 por cento de votos, o pior desempenho em 30 anos, enquanto partido de oposição (igualando o resultado da injustamente "diabolizada" liderança de Pedro Santana Lopes)!
Tudo isto após quatro anos de governação socialista crispada, tur-bulenta e contestada, como nenhuma outra o havia sido antes.
José Sócrates, em pouco mais de quatro anos, confrontou-se com cinco presidentes do PSD (Durão Barroso, Santana Lopes, Marques Mendes, Ferreira Leite e comigo próprio)! Nos últimos seis anos a oposição democrática espanhola é liderada pelo mesmo político, Mariano Rajoy, que já perdeu duas eleições legislativas e que se prepara para ser candidato de novo a chefe do Governo daqui a três anos!
Se enquadrarmos todo o período pós-cavaquista, confirma-se a regra da instabilidade doentia. O PS teve, desde então, três secretários-gerais (Guterres, Ferro Rodrigues e Sócrates) e os sociais-democratas tiveram "só" sete presidentes (os atrás referidos e ainda Marcelo Rebelo de Sousa e Fernando Nogueira). Paradoxalmente, três deles não tiveram sequer a oportunidade de sobreviver à permanente conspiração intrapartidária e submeterem-se ao sufrágio do eleitorado.
Se este quadro é por si só muito preocupante, a situação actual somou-lhe novos ingredientes que o tornam pré-apocalíptico. No Parlamento, ganharam um novo protagonismo quantitativo os partidos minoritários das franjas do sistema (CDS e BE). O Presidente da República fragilizou-se com as últimas intervenções públicas e colocou-se em dificuldade para a corrida da reeleição. O PS, ao recuperar um diferencial de 18 presidências de câmara, posicionou-se na pole position para o próximo embate autárquico, estruturante, porque vão sair de cena mais de uma centena de autarcas - a larga maioria, cerca de oitenta, sociais-democratas. Ou seja, um PSD fragilizado na importante frente parlamentar vê ameaçados os seus outros redutos de afirmação de soberania - a Presidência da República e o poder local. O cenário da desagregação, ainda não evidente, tem que ser imediatamente contrariado. O sistema político português pode, a partir de agora, seguir dois caminhos: o da consolidação de um partido hegemónico que se apoia circunstancialmente em partidos minoritários da esquerda e da direita, ou o de retomar um bipartidarismo consistente. O segundo cenário é o ideal e o que mais preserva a defesa de uma sociedade plural. Para isso é necessário um PSD forte, credível e renovado.
Alguns que têm teorizado sobre a crise do maior partido da oposição referem que ela nada tem de ideológico, estratégico ou programático. Afirmam que se trata de uma complexa teia de inimizades pessoais fratricidas. Discordo em absoluto. Ao contrário, as divisões resultam da ausência prolongada de um cimento aglutinador que tem a ver com ideias, propostas e idiossincrasia comportamental. O PSD precisa pois de ser refundado, apelando ao que de mais profundo existe na sua alma. O PSD das legislativas de 2009 tem que ser esquecido. Esse PSD anti-Estado social, anti-ousadia económica e timorato nas questões de costumes e valores, nunca mais voltará a ganhar uma única eleição.
Refundação significa afirmar uma visão social-democrata moderna na defesa do núcleo central dos Direitos Sociais - Educação, Saúde, Segurança Social. Uma visão liberal quanto baste na defesa de um modelo de organização e dinamismo das actividades económicas. Uma atitude tolerante na leitura e na compreensão dos comportamentos humanos.
Refundação significa ter a coragem de avançar - esta é uma legislatura com esses poderes - com uma profunda reforma constitucional / uma nova Constituição, que reformasse a Segunda República. Tudo pode e deve ser debatido, a começar pelo ultrapassado sistema semipresidencial herdado da Revolução de Abril.
Refundação significa lucidez estratégica na co-responsabilização com as grandes questões de Estado. Sentido de responsabilidade que levou o PSD a viabilizar os orçamentos que conduziram à moeda única, sentido de oportunidade que não é compatível com o actual discurso tremendista, que parece querer fazer o favor de derrubar o Governo de José Sócrates, por forma a oferecer-lhe de bandeja uma nova maioria absoluta.
Refundação significa um programa eleitoral perene e claro, que transmita confiança e possibilite a opção dos cidadãos. Não é mais possível ser pró-TGV, pró-estabilidade fiscal e pró-avaliação dos professores às segundas, quartas e sextas e defender o oposto às terças, quintas e sábados.
Refundação significa dar o estatuto de senadores à geração que conduziu às vitórias eleitorais das décadas de 80 e 90, mas abrir as portas a uma nova geração de quadros, descomprometidos com o melhor, mas também com o pior - a última década e meia - desse período da nossa vida democrática.
Refundação significa respeitar e apoiar Cavaco Silva, mas perceber que o PSD não pode ficar refém das suas estratégias pessoais.
Finalmente, é uma enorme insensatez defender que o PSD pode viver esta agonia até Maio, ou seja, mais sete meses - 1/6 da legislatura, metade do tempo que vai decorrer até ao próximo embate eleitoral, as presidenciais de Janeiro de 2011. Um partido alternativo não pode estar mais de meio ano em desconto de tempo. A política não é basquetebol!
O actual PSD só em divagação nostálgica pode ainda ser apelidado de partido de poder. Não queiram transformar esta circunstância numa verdade permanente.
A actual direcção deve ter a seriedade de promover o debate interno susceptível de colocar o partido e o país a discutir esta realidade, colocar as secções, as distritais e os militantes a conversar sobre elas, deixar que todos os que se consideram "notáveis" se reúnam da forma que entenderem e quiserem. Mas deve fazer tudo isto com a celeridade possível. O ideal seria até que, tal como já aconteceu no passado, este período de reflexão e debate ficasse nas mãos do Presidente do Congresso com uma equipa por ele constituída em Conselho Nacional.
A escolha do novo líder, assente nos novos pressupostos atrás expostos, nunca deveria ir para além de Janeiro. Em 2010 para o PSD devia prevalecer o lema Ano Novo, Vida Nova. "
Artigo de opinião publicado no jornal Público, 22 de Outubro de 2009
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