sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Os Deuses e as gentes do Porto (a propósito da entrevista de Rui Rio)

Qualquer  miúdo de quinze anos sabe que uma equipe se começa a construir de trás para a frente, quanto mais não seja por ouvir o argumento repetido ad nauseam pelos treinadores, quer os de bancada, quer os encartados, e jornalistas desportivos. O 6 é, comummente, referido como o pêndulo de uma equipa – o que tem por missão destruir as ofensivas contrárias e começar a organizar o ataque. É, no plano táctico, um dos, senão o, jogador mais importante do conjunto. O que se lhe pede (e não é pouco!) é que seja certinho, eficaz, previsível (no bom sentido). Não se lhe exigem lances de génio, dribles estonteantes, desmarcações visionárias e golos impossíveis – esses estão reservados para os artistas, com os 9 e 10 no dorso.
Os primeiros podem ser deuses pela sua omnipresença; os segundos, quando o são, são-no pela sua intangibilidade.
Pese embora a condição cósmica de ambos, certo é que Júpiter, Marte ou Vénus sempre colheram mais acólitos que Ceres, Concórdia ou Lares. Os Messis, Ronaldos ou Maradonas sempre gozaram de mais fama, protagonismo e adeptos que os Redondos, Paulos Sousas ou Roys Keanes. O público vai ao estádio confiando na segurança, raça e capacidade de abnegação dos segundos, para vibrar, delirar e se deleitar com a imprevisibilidade, a genialidade e singularidade dos primeiros.

Serve o introito futebolístico para discutir a entrevista de Rui Rio da passada semana. Rio é um 6! Um excelente 6, um dos melhores a nível mundial, daqueles que terá um lugar na História, mas com o complexo matemático que a subtracção por 3 ou 4 lhe impõe. Jamais será um 9 ou um 10. Jamais será a estrela maior. Jamais será um Júpiter.
Nenhum mal adviria de tal facto, tivesse Rio a capacidade para aceitar o que a sua mesquinhez não permite. Conforma-se com o facto de ser um 6, mas convive mal num universo onde existem 9 e 10. Não percebe e não concebe os aplausos para os outros. Não percebe e não concebe que àqueles esteja reservado o carinho dos adeptos, o vibrar das bancadas, a loucura, o sonho… E, pior, não percebe nem concebe como é que qualquer mortal os sente como um prolongamento de si, como parte da família, como se também lhes pertencessem...
Do alto da sua sobranceria esculpida no granito do Porto Rio não percebe, não concebe e não aceita que o mesmo povo que lhe deu consecutivas maiorias esteja na disposição de hipotecar o rigor táctico que conferiu durante doze anos à equipe, pela possibilidade de ver um génio em acção, pelo de desejo de viver o risco, a imprevisibilidade…

Rio, de facto, nunca percebeu as gentes do Porto. Nunca desceu do Olympum para curar de entender que dentro das muralhas da cidade, há todo um pulsar próprio das gentes, um fervor de sangue, o desejo de conquista e o sonho do impossível. E por não perceber isto, Rio convive mal, muito mal, com a decisão que, em última instância, ao povo cabe. Esse “povo” tão esclarecido que era quando lhe deu maiorias consecutivas e que ele agora pretende (re)educar!

A entrevista de Rio é, pois, deplorável a vários níveis. Primeiro, porque motivada por ódios pessoais. Segundo, porque resulta da inveja, da tacanhice e da insegurança de que pode perder o protagonismo para um outro Deus. Terceiro, porque demonstra uma clara falta de respeito, de educação, de tolerância e de aceitação das escolhas e directrizes de um partido do qual optou (e opta!) por fazer parte. E quarto, porque reduz a pluralidade democrática e a soberania popular aos seus ditames e conformidade (ou conformação?) com as suas opiniões.

Rui Rio lançou mão da expressão “Democracia adulta”. Duas coisas que ele não soube ser durante a referida entrevista: nem democrata, nem adulto! Esse FDP (e aqui a sigla é utilizada na acepção de Fanático Dos Pópós, e não qualquer outra) entendeu que poderia (e deveria!) condicionar o sentido de voto tripeiro como se o Porto fosse a sua coutada. E que poderia (e deveria!) fazê-lo com ataques soezes, pessoais e pessoalizados, olvidando o respeito pessoal e institucional e inanindo o dever de solidariedade partidária, sobretudo num momento tão débil para o Governo e o seu partido. E demonstrou toda a sua ingratidão quando “esqueceu” que foi secretário geral desse mesmo partido, na direcção do Prof. Marcelo, por sugestão do Dr. Menezes.

Essas invectivas televisivas em horário nobre provocaram reacções diversas no público. Entre o asco, a crítica assertiva e o costumeiro e tabescente seguidismo, houve uma adjectivação tripeira que ecoou repetidas vezes: “É preciso ter tomates para se dizer uma coisa destas”. Lamento contrariar, mas os estiletes de língua raramente provêm da região subabdominal. In casu, impõe-se a demonstração da apagogia.
Há dias escreveu Joaquim Carlos Santos, no seu blogue “aventar”, uma crónica de título “Um conas chamado Rio”, usando o epíteto como expressão idiomática da profunda urbe tripeira. Ora, por definição, a “cona” pauta-se, entre algumas características próprias, pela exacta ausência de tomates ou, concedendo, pela ausência de tomates próprios já que, com maior ou menor frequência pode gozar da proximidade de tomates de terceiro. Daí que, os usuários da expressão tendam a confundir topete e temeridade com tomates.

Rio não percebeu as gentes do Porto. Rio não percebeu as regras de uma democracia que não a sua. E Rio não percebeu que Menezes não é seu adversário. É candidato a suceder-lhe porque o seu ciclo terminou. E não como um 6, mas como um 10…

Nuno da Costa Nata

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