Caro António Capucho, a sua entrevista hoje ao i é absolutamente deplorável, configura a nítida existência de um “complot” para derrubar um governo que, não obstante todas as manifs anti-troika, goza de muito maior legitimidade que a rua e todos os “senadores” juntos. Não me recordo de ter lido declarações suas tão violentas com José Sócrates, que nos pôs no estado de desgraça em que estamos e é o causador principal de todas as lancinantes medidas que nos vêm atingindo.
Você tem todo o direito de pensar assim, só que deve ser consequente: reúna assinaturas para directas antecipadas e assuma-se desde já como candidato à liderança do PSD. Você ou qualquer dos seus outros parceiros do “complot”, seja o Rui Rio, a Manuela Ferreira Leite, o Pacheco Pereira ou quem entenderem. Se têm um projecto diferente e melhor, assumam-no, entrem desde já em ruptura como fazia Sá Carneiro e partam à conquista do poder, não o façam apodrecer à espera que ele vos caia nas mãos. Essa do governo presidencial ou de salvação nacional é a subversão total do regime, o unanimismo da paz podre, laivos de puro terceiro-mundismo. Ponham tudo em causa se assim o entenderem, incluindo o plano de resgate que terão depois de o renegociar, mas assumam-se integralmente de acordo com as regras e mostrem depois o que valem. Não acredito que no final fiquemos melhor, mas cá estaremos para vos julgar.
Já tive oportunidade de lhe dizer que não há programa de austeridade e de ajustamento económico que se faça sem dor. De um “senador” como você, esperava-se que fizesse alguma pedagogia e explicasse a lógica das medidas (podendo ou não concordar com elas) em vez de, simplesmente, fomentar e cavalgar a onda do descontentamento. A alteração da TSU, que tanto alarido tem provocado, não pretende combater o défice (ela é neutra em termos fiscais), mas é antes uma medida visando 2 objectivos: um de natureza jurídico-política, para contornar o pobre argumento do Tribunal Constitucional quanto à falta de equidade na retirada dos subsídios à função pública; outro, de política económica e enquadrando-se no ajustamento pretendido para a economia com o reforço do sector transacionável. Como deve saber, as medidas constantes no Memorando da Troika não visam apenas o equilíbrio das finanças públicas, mas pretendem também o reajustamento estrutural da economia, criar condições para aumentar a nossa competitividade internacional e evitar novos desequilíbrios no futuro. Ora, a alteração da TSU é uma das várias medidas nesse sentido e, tal como está concebida, é de longe preferível a outras variantes da desvalorização fiscal em que se compensa a redução da taxa às empresas com aumento de impostos. Convenhamos que a solução encontrada pelo governo é bem mais justa, porque internaliza a questão ao nível das empresas: são os próprios trabalhadores que irão “financiar” o aumento de competitividade da empresa em que trabalham, uma entidade em que são parte interessada e de cujo sucesso amanhã certamente beneficiarão. O mesmo já não se passa se for o contribuinte em geral ou o consumidor a financiar a reestruturação empresarial, ficando totalmente desligados dos sucessos futuros das empresas. Você já defendeu, tal como Portas (mais impostos??? Jamais!!!) por interposto Bagão Félix, o aumento do IRS pela “virtude” da progressividade. Para além das condicionantes do Memorando que limita o ajustamento pela via da receita, recordo-lhe que um aumento de impostos muito dificilmente configura uma medida de política económica, trata-se geralmente da solução mais fácil, da fuga em frente, da droga que se continua a facultar ao viciado.
Mas há uma tremenda desigualdade nos sacrifícios, diz você. Sem dúvida! Qualquer política de ajustamento vai beneficiar determinados interesses em detrimento de outros, com a inerente iniquidade na repartição dos sacrifícios. Mas o problema de fundo não reside na “escandalosa” transmissão de rendimentos dos particulares para as empresas como tem sido propagado, de forma assaz hipócrita por muitos. A medida é flexível q.b. para permitir ajustamentos dentro das empresas e muitas haverá que continuarão a assumir o encargo actual com a TSU, não penalizando assim os respectivos trabalhadores. Isto irá acontecer fundamentalmente com as empresas exportadoras que serão indiferentes à queda (deliberada) na procura interna que a medida irá provocar. As empresas viradas apenas para o mercado interno, geralmente de bens e serviços não transacionáveis, serão bastante afectadas e têm aqui um bom incentivo para diversificarem mercados. Só que estamos a falar de empresas de grande dimensão, incumbentes e com ligações de sempre ao Estado, com enorme capacidade de lobby, com acesso fácil aos media (parte interessada, de resto, pois também integram o sector não transacionável), e que, pela 1ª vez, sentem estar a ruir o proteccionismo de que beneficiaram durante décadas. Esta “gente ilustre” há muito que gritou “Não à Troika”, não se coibiu em promover as manifs de sábado (basta ver a “mobilização” prévia das televisões) e exercerá todos os meios de pressão ao seu dispor para derrubar o governo mais hostil de sempre aos seus interesses.
Reparei que apreciou o último comentário que fiz sobre a delicada situação financeira internacional num post seu, pelo que deduzo concorda estar o mundo “no fio da navalha”. Assim, numa envolvente destas repleta de condicionantes restritivas, depois de termos TODAS as instituições internacionais a elogiarem Portugal pelo cumprimento rigoroso do programa de assistência, depois de termos convencido meio mundo que somos infinitamente diferentes da Grécia, depois de vermos um indicador importantíssimo como as taxas de juro a baixar significativamente nos últimos meses, prova que estamos a reganhar a confiança dos mercados, pormo-nos a brincar aos governos e às coligações, pode deitar tudo a perder.
Tenha paciência, mas o país não pode andar refém dos vossos ódiozinhos de estimação (que transparecem na entrevista) e dos interesses de todo um “establishment” baseado no sector não transaccionável e que você e o seu “distinto” grupo, consciente ou inconscientemente, corporizam.
Saudações laranjas.
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