segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Jantar do 1º Aniversário do Porto Laranja com o Dr.Luis Filipe Menezes - "A Democracia Portuguesa e o PSD"

Caros Companheiros,

Convido-os para o jantar do 1º Aniversário do Grupo Porto Laranja a realizar-se no próximo dia 6 de Março (sexta-feira), 20h00, no Hotel Tryp Porto Centro (Rua da Alegria 685 - Porto).

Tema do debate : " A Democracia Portuguesa e o PSD"

Orador Convidado: Dr. Luis Filipe Menezes

Agenda:
20h15 - Jantar
21h00 - Introdução ao Debate - Engº Carlos Brito
21h15 - Intervenção do Dr. Luis Filipe Menezes
22h00 - Debate

Confirme a sua presença para grupoportolaranja@gmail.com até ao dia 1 de Março.

Saudações Sociais Democratas,
Luis Artur

TESTEMUNHO. "Lembro-me como começou o PSD. Então PPD..."

Lembro-me como começou o PSD.
Então PPD.

Estive, ainda miúdo, nas primeiras sessões públicas que o partido organizou em Guimarães para dar a conhecer o seu programa e as suas ideias para um Portugal “estremunhado” com a nova realidade.
Aderi posteriormente á JSD.

E lembro-me bem do trabalho de implantação que se fez naquela secção (como em muitas outras) para dar expressão ao partido.
Constituíram-se equipas, com militantes do partido e da Jota, que andavam pelas freguesias a falar com as pessoas, a procurarem aquelas que pela visibilidade ou pela capacidade de liderança fossem capazes de assumirem candidaturas ganhadoras em representação do partido.

Foi assim que se construiu um PSD transversal á sociedade portuguesa.
Com pobres e ricos, operários e patrões, licenciados e trabalhadores indiferenciados, jovens e menos jovens.
Porque o partido, que não tinha a organização do PC ou até do PS já existentes, teve de se organizar muito rapidamente para poder ganhar expressão eleitoral.

E conseguiu-o olhando as pessoas nos olhos, discutindo abertamente os seus problemas, fazendo-as sentir que a sua opinião era importante.

Depois vieram as novas tecnologias, as televisões, o marketing refinado, os email, sms, mailings e sabe-se lá que mais, que permitindo chegar a todos o começaram a fazer de forma cada vez mais impessoal.

Transformou-se a mensagem política outrora individualizada em circulares a que todos tinham de se adaptar.
Perdeu-se o contacto pessoal que tão importante fora na construção do PPD, transformaram-se órgãos políticos, antigamente a funcionarem em função das bases, em meras catapultas para as carreiras políticas dos seus ocupantes.

O partido foi tomado pela preguiça.

O debate das ideias tornou-se a excepção e não a regra quantas vezes ao sabor dos ditames do poder autárquico em que nos tornáramos expoentes em Portugal.
Não se discutia porque não convinha ao autarca mor do concelho, não se debatia porque era inconveniente levantar questões, não se mostrava criatividade, inovação e inconformismo porque “…lá em Lisboa tratam disso…”!

Crescemos todos os dias em novos filiados mas estagnamos ou diminuímos em militantes da causa.
Porque nos fizeram sentir que não vale a pena.
E para quem não andar a dormir o resultado está cada vez mais á vista.

Daí a importância de que se reveste o “Porto Laranja”.
Em cujas sessões/jantares tenho participado muito menos do que gostaria mas ainda assim o suficiente para ver o essencial.
Lá se respira um ambiente “á PPD”.

Porque alguns dos que lá estão pertencem a esse tempo, é certo, mas essencialmente porque todos perceberam que vamos por mau caminho e é preciso mudar a estratégia de actuação política.
Voltar a dar ás pessoas a oportunidade de debaterem ideias livremente, sem serem condicionadas por nenhum tipo de sentimento de “inconveniência” oportunamente induzido pelos sempre fiéis ao poder interno (seja ele qual for), voltar a dar aos militantes a noção de que a sua opinião importa.
Voltar ás bases.

Ao poder das bases que sempre foi estimulado e defendido por Francisco Sá Carneiro.

O “Porto Laranja” está no bom caminho.

O caminho de regresso á pureza de princípios que fizeram do PPD um grande partido.
Espero que assim continue.

E que o excelente exemplo que está a dar ao PSD seja seguido em muitos concelhos deste país onde o partido está a precisar, e de que maneira, de um “Porto Laranja”.

Luis Cirilo

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Uma Proposta Para o Código de Trabalho

Um dos temas que está na ordem do dia é a alteração ao Código de Trabalho. Um dos problemas da nossa legislação do trabalho é a sua rigidez ao nível de despedimentos e da mobilidade funcional/horária dentro das empresas. Para combater essa rigidez, foram criados os contratos a prazo e os recibos verdes. Embora estas duas realidades devam estar presentes num mercado trabalho flexível, o que está acontecer é a sua massificação para além do desejável. Como consequência temos um mercado de trabalho dual, onde há um grupo de intocáveis, em paralelo com uma grande massa de trabalhadores com reduzidas regalias/garantias. Para evitar o aprofundamento destas desigualdades é fundamental que se actue ao nível daquilo a que se designa por “custos de despedimento”.

Os custos de despedimento incluem toda legislação que proíbe as empresas de dispensarem livremente trabalhadores não produtivos, bem como os custos resultantes da intervenção judicial consubstanciados em decisões quase sempre favoráveis aos trabalhadores, mesmo quando o despedimento tenha respeitado todos os preceitos legais. Estes custos originam empresas mais receosas na contratação de novos colaboradores, implicando que um desempregado tenha muito mais dificuldade em voltar para o mercado de trabalho. Custos de despedimento menores conduzem, inevitavelmente, a maior facilidade de arranjar emprego e a maior predisposição das empresas para contratação.

Isto não significa que não haja protecção ao desemprego e que o mercado de trabalho funcione como qualquer outro mercado. É inconcebível que não exista qualquer protecção ao desemprego em virtude das consequências que acarreta, desde a perda de rendimento das famílias aos mais variados problemas sociais associados. Embora essa protecção não possa ser excessiva que desincentive a criação de emprego pelo lado da procura.

É na tentativa de conseguir um equilíbrio entre flexibilidade do mercado de trabalho e protecção ao desemprego, que surge a proposta de dois conceituados economistas, Blanchard e Tirole. De forma a reduzir os custos de despedimento e ao mesmo tempo garantir o financiamento de subsídios de desemprego, Blanchard e Tirole propõem a criação do “imposto de despedimento”. As empresas poderão despedir livremente, mas sempre que o façam serão taxadas num determinado montante, receita a utilizar para cobrir parte das despesas com subsídios de desemprego. Desta forma consegue-se que parte dos custos que a sociedade incorre com desemprego sejam parcialmente “internalizados” por quem cria esse desemprego.
Com esse imposto evita-se um excesso de despedimentos pelas empresas, porque parte dos custos são suportados por elas. Por outro lado, esse imposto de despedimento não poderá ser tão alto que se torne proibitivo para as empresas. Esta medida irá também eliminar o envolvimento ineficiente do sistema judicial bem como terminar com todos os regulamentos relativos ao despedimento. Finalmente, este política terá um efeito positivo ao nível da criação de emprego, porque haverá menor receio pelas empresas em contratar novos quadros e diminuirá a propensão para utilização de contratos a prazo e recibos verdes. Será uma verdadeira política social e, como é do senso comum, não há melhor programa social que a criação de emprego.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Os profissionais da pobreza (*)

Um dos conceitos que integra o pensamento politicamente correcto e hoje assumido como valor indiscutível é o da solidariedade. Todos somos solidários ou, pelo menos, propalamos aos quatro ventos que o somos. E ai de quem duvide ou de quem afirme que o é mais do que nós.

O meu propósito é analisar este conceito numa perspectiva de racionalidade económica, estando implícito que a grande maioria, senão a totalidade dos seres humanos, pautam as suas atitudes e comportamentos numa óptica de defesa do interesse próprio.

Pode afirmar-se que poucos serão de facto indiferentes a um tal valor. A solidariedade é algo que nos é intrínseco, faz parte da própria natureza humana e, passe o exagero, está no nosso código genético. É um sentido natural e espontâneo de colaboração mútua que vem desde o início da espécie humana, quando o homem vivia em pequenas comunidades tribais. Nestas comunidades, com uma envolvente geralmente hostil, o sentido de entreajuda era fundamental à sobrevivência e prosperidade do grupo. Cada membro, no seu próprio interesse, tendia naturalmente a ajudar os outros membros do grupo, prevendo que ele próprio poderia amanhã necessitar da ajuda destes. A divisão e especialização do trabalho que muito mais tarde se verificou e que esteve na base do crescimento económico e da criação de riqueza, talvez nunca tivesse acontecido sem o princípio da solidariedade e do sentido de entreajuda que se foi desenvolvendo desde os primórdios da humanidade.

Fácil é constatar que a solidariedade é um princípio virtuoso e que funciona perfeitamente ao nível da pequena comunidade. E isto decorre das relações de conhecimento pessoal entre os seus membros, que tornam indiscutível para todos as situações mais carenciadas a necessitar de apoio. A comunidade não o regateará e, no seu próprio interesse, investirá recursos para que os carenciados deixem de o ser com a brevidade possível. Um elemento do grupo recuperado poderá ser amanhã necessário para propiciar ajuda a outrém e, mais importante, será mais um a caçar, a pescar, a lavrar a terra, em suma, a contribuir para aumentar a riqueza da comunidade. A solidariedade funciona como um autêntico seguro de grupo de que todos beneficiam.

Aparentemente, as sociedades modernas, crescentemente urbanizadas e cada vez mais cosmopolitas, tornarão difícil a manutenção daqueles laços entre as pessoas, desde logo porque numa grande urbe não existe a teia de relações e conhecimentos pessoais da pequena comunidade. A motivação que qualquer um de nós tem para ajudar um desconhecido, cuja real situação de carência não se conhece nem se controla é, naturalmente, muito menor. No entanto, a nossa vida quotidiana, mesmo numa grande cidade, continua a desenrolar-se em pequenos círculos, sejam eles a família, o grupo de trabalho, o grupo de amigos da tertúlia, do bairro ou da associação recreativa e cultural.

Existe porém o fenómeno da massificação a que o princípio da solidariedade não ficou imune, criando-se uma natural tendência para aplicá-lo em grande escala. Não pondo em causa as boas intenções que presidiram inicialmente a um tal objectivo, a realidade veio a demonstrar que os resultados foram, em regra, o inverso do que se pretendia.

A aplicação da solidariedade a uma grande escala, seja uma região ou todo um país, torna impensável a sua execução directamente pelos cidadãos, como acontecia na pequena comunidade. De imediato prevalecem as teorias das economias de escala e da vantagem de concentrar a prestação dos serviços num “grossista”. Tratando-se de actividades sem fins lucrativos, facilmente se gera a unanimidade em concentrá-las no Estado ou em instituições por si geridas, as únicas entidades cujo único interesse é, supostamente, o bem comum. Mas como o Estado não tem recursos próprios, o financiamento de tais actividades só pode vir do bolso dos cidadãos por via de uma faculdade de que só aquele dispõe, a colecta coerciva de impostos.

Por definição, qualquer organização do Estado que se crie do zero nunca prima pela racionalidade, mas pela complexidade e pela tendência para o gigantismo. De imediato se extravasa o simples objectivo inicial e se criam outros fins, geralmente desfazados da realidade e das verdadeiras necessidades sociais. Em pouco tempo, estarão no terreno pesadas estruturas burocráticas que, a prazo, mais não servirão do que para se justificar a elas próprias, tornando cada vez mais difícil e pouco transparente o acesso aos serviços que inicialmente se propunham prestar. Os colaboradores destes serviços andarão permanentemente assoberbados com a elaboração do mais perfeito programa integrado de combate à pobreza e à exclusão social, na definição dos seus múltiplos objectivos e na reivindicação dos mais sofisticados meios humanos e materiais para os levar a cabo. Entretanto, os necessitados esperam e desesperam nos guichets e vêem geralmente os seus pedidos de apoio recusados pela falta do impresso Modelo 5.345 ou pela falta de carimbo no mesmo da Junta, da Câmara ou do Ministério.

Todo este sistema complexo redundará na destruição pura e simples do princípio da solidariedade, mesmo ao nível do âmbito em que ela funcionava, a pequena comunidade. As pessoas de maiores recursos, potenciais e antigos benfeitores deixam de o ser, dado que o Estado já lhes retira impostos para esse fim. Ao seu confrade de dominó na Associação Recreativa do bairro já o dono do talho recusou apoio, muito embora conheça perfeitamente as suas carências. Sugeriu-lhe que se candidatasse ao rendimento mínimo, de que a sua empregada doméstica já beneficia, tendo-se aproveitado para o efeito dos bons ofícios de um cunhado que trabalha na Segurança Social.

Como os benfeitores deixam de conhecer os beneficiários, não têm qualquer incentivo em definir a ajuda mais adequada para a sua reintegração social. Estes, por sua vez, não estando sujeitos ao controle daqueles, que antes gastavam tempo e recursos a ajudá-los e por isso pretendiam a sua rápida integração e independência, deixam de ter qualquer motivação para crescer e evoluir, resignando-se a uma vida de eterna subsídio-dependência.

Assim se cria uma sociedade cada vez mais egoísta e alheia à miséria do seu semelhante. Os grandes beneficiários são os profissionais da pobreza, os que justificam a gigantesca estrutura criada para o seu combate. Combate esse que jamais pretenderão vencer, dado que a pobreza constitui a sua reserva de mercado e convém portanto eternizá-la. Se a solidariedade é um valor ético que deve representar para todos nós uma forma de estar na vida, para os profissionais da pobreza ela é um modo de vida.
Em síntese, se a solidariedade é na pequena escala um princípio virtuoso e enriquecedor, quando aplicada em grande escala e com a intermediação do Estado, directamente ou via Instituições ditas Particulares de Solidariedade Social, gera fatalmente o círculo vicioso da pobreza.
(*) Publicado inicialmente no jornal "O Comércio do Porto", Setembro de 2004

Sociedade Civil (*)

No mundo ocidental, talvez seja difícil encontrar um País com uma sociedade civil tão débil e amorfa como a portuguesa. Em nenhum sítio se encontrará tanto desinteresse pela “coisa pública”, tanto virar de costas a injustiças sociais, tanto encolher de ombros perante claras violações dos direitos de cidadania, muitas vezes cometidos às escâncaras.

O termo “sociedade civil” remete-nos de imediato para a esfera do colectivo, para o interesse da comunidade. Só que isto é algo que não existe, ou então, se quisermos, existem múltiplos interesses, muitas vezes contraditórios. Existem, sempre, interesses individuais e muitas vezes, interesses de grupo ou de pequenas comunidades específicas que partilham identidades sócio-culturais. É comum os interesses de um determinado grupo serem comuns ou opostos aos de outro(s). Assim, alguns residentes da Foz contestam a construção dos molhes, numa perspectiva estética, em oposição aos pescadores da Afurada que os defendem, numa óptica de interesse económico. Os sindicatos dos professores, algumas associações de pais e porventura a maioria dos alunos estão unidos contra os exames do 6º ano, numa perspectiva de comodidade a curto prazo; a generalidade do País estará a favor, sentindo - numa base mais ou menos inconsciente e pouco formulada, face à pouca nitidez de um benefício diferido - as vantagens de amanhã haverem cidadãos com capacidade para enfrentar provas e desafios.

Para a defesa dos interesses particulares ou de grupo, é normal os cidadãos integrarem associações de diferente natureza que, numa sociedade livre, são constituídas de forma espontânea com vista à defesa daqueles. É normal uma mesma pessoa fazer parte e colaborar em várias associações levando a que, nas sociedades modernas e parafraseando Alvin Toffler, todos os cidadãos integrem em simultâneo imensas minorias. A dinâmica associativa é, aliás, um dos principais critérios para aferir a vitalidade de uma sociedade civil.

Curiosamente, é nas sociedades mais liberais, onde mais se preza o individualismo, que os cidadãos mais participam em associações de diferente índole. E fazem-no muito mais por questões de egoísmo do que de altruísmo. Sabem que a ajuda que hoje prestam à comunidade poderá amanhã reverter a seu favor caso necessitem, daí que a sua actuação se mova basicamente por interesses individuais. O resultado disto é uma enorme participação cívica a todos os níveis, que passa inclusivamente pela institucionalização de lobbies e que, pelo menos nos Estados Unidos, constitui hoje um contra-poder e elemento de fiscalização dos poderes públicos a ter em conta.

E em Portugal? Bom, associações não faltam. São milhares, espalhadas por todo o País, de todo o género e feitio. Desde os tradicionais sindicatos e associações patronais de tudo o que é sector económico, às associações ambientais e de defesa do consumidor, passando por centenas de instituições particulares de solidariedade social, milhares de associações recreativas e culturais e inúmeras corporações de bombeiros voluntários. A razão de ser deste tipo de organizações, e em especial daquelas que têm objectivos de solidariedade e de combate à exclusão social, tem a sua lógica: a solidariedade existe e é muito mais eficaz em pequenos núcleos – com a família em lugar de destaque – na pequena comunidade, onde todos se conhecem e todos conhecem quem precisa. Este mecanismo não existe a uma escala maior (uma grande cidade, região ou país) e daí a vantagem de existirem pequenas organizações, cujo raio de acção, nos grandes centros, não irá além de um bairro ou freguesia.

Mas a diferença de fundo da maioria das nossas associações face às suas congéneres em países mais avançados, reside no financiamento. Razões de natureza cultural que vêm de longe, com raízes na religião, na carga fiscal excessiva e na ainda curta vivência democrática, cimentaram a ideia de que o Estado deve não apenas estar presente na gestão dos conflitos, mas ter um papel activo em tudo o que se relacione com solidariedade, repartição do rendimento, exclusão social e em regra, toda e qualquer actividade visando o bem comum, muito embora este nunca seja correctamente definido. Tem-se assim que, desde o mais poderoso sindicato ou associação patronal à mais simplória e insignificante associação recreativa, investem uma fatia considerável dos seus recursos na permanente reivindicação de fatias crescentes do bolo orçamental, sempre justificáveis e de redução impensável, atendendo aos objectivos nobilíssimos que prosseguem. A comunicação social é, aliás, a primeira a incentivar este tipo de postura: qualquer programa a divulgar as actividades de um qualquer organismo filantrópico e de beneficiência, jamais dispensa a sacramental pergunta “e o Estado, apoia-vos?”, para a partir daí se encetar a habitual choradeira por um maior subsídio. No limite, o objectivo principal destas instituições deixa de ser o ambiente, a luta contra a droga ou a defesa do consumidor, passando a ser a maximização do subsídio estatal. Chegou-se a um extremo tal, que a solidariedade deixou de ser uma causa filantrópica para se transformar de facto num negócio de milhões. As chamadas IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) vistas numa base consolidada, têm um orçamento da ordem dos 1.500 milhões de euros, para o que o Orçamento de estado comparticipa com mais de 60%. Quanto baste para gerar múltiplos grupos de interesses, cujo objectivo jamais será a eliminação da pobreza ou da droga, mas a sua perpetuação, pois dela depende umbilicalmente a perenidade e desenvolvimento do negócio. De modo análogo, será impensável vermos algum dia as inúmeras corporações de bombeiros definirem uma estratégia consistente de prevenção de incêndios, dado serem estes a razão da sua existência e um fundamento irrefutável a novos peditórios de subsídios.

Os partidos políticos, por sua vez, têm um papel activíssimo no fomento destas situações de dependência, nunca desdenhando colocar os seus boys nas organizações mais representativas (em especial nas Misericórdias e nas corporações de bombeiros), oferecendo os seus préstimos e ligações ao poder para melhor negociar as comparticipações dos poderes públicos. O aumento destes servirá, tarde ou cedo, de argumento eleitoral para o partido da situação. Assim se explica a presença do ministro em qualquer inauguração do quartel dos bombeiros (dos “vermelhos”, porque já existem os “amarelos”, ou vice-versa) na vilória mais recôndita, do pavilhão gimnodesportivo para cujo uso não chegará a haver atletas, ou a romaria que, principalmente em eleições autárquicas, os candidatos fazem a tudo quanto é clube recreativo ou casa da cultura, prometendo sempre apoios acrescidos.
Tem-se pois que, as instituições supostamente representativas da sociedade civil e de quem se esperaria a defesa de interesses de diferentes faixas da população, mais não servem do que os interesses dos seus dirigentes, transformados em instrumento da omnipresença do Estado na vida corrente dos cidadãos. O corolário de tudo isto é uma política social cara e ineficaz, o crescente alheamento dos cidadãos da esfera cívica e o desperdício de recursos que fatalmente nos vai empobrecendo.
(*) Publicado inicialmente no jornal "O Comércio do Porto", Março de 2004

Juventudes partidárias e grupos afins

Uma forma de se aferir a capacidade de um dado partido para reformar o País, é determinar a capacidade que ele tem de se reformar a si próprio. Mais do que isso, a vontade de implementar mudanças na sua estrutura e funcionamento internos que reflictam minimamente as mudanças sociais que ocorrem ou estão para ocorrer e, se possível, conseguir ser gerador daquelas.

Em democracia, os líderes fortes e clarividentes são os que conseguem apreender sinais implícitos de riscos ou desejos de mudança e têm a arte de saber explicitá-los para melhor concretizar as mudanças e prevenir os riscos. Mário Soares apercebeu-se da iminência de uma ditadura comunista em 1975 e conseguiu barricar o País contra ela; Sá Carneiro viu antes de todos o abcesso que representava o Conselho da Revolução numa democracia que se pretendia europeia e perdeu (as presidenciais) por ter razão antes do tempo; Cavaco Silva adivinhou as aspirações consumistas de uma classe média em ascensão e criou condições para que todos comprassem automóvel, micro-ondas e televisão a cores.

Porém, hoje os grandes partidos estão perfeitamente incapazes de analisar a sociedade em que se inserem, de tal forma estão virados para dentro de si próprios, para os grupos de interesse que os dominam, para a manutenção e consolidação dos seus privilégios. Preocupam-se em surdina com o aumento consistente da abstenção, mas são incapazes de determinar as suas causas. Pontualmente, alguém mais lúcido alerta para um défice de “causas” mobilizadoras, mas de imediato é ostracizado. Causas a sério são incompatíveis com os interesses de grupos, porque, transversais a estes, questionarão inevitavelmente a sua subsistência.

Diga-se que é perfeitamente normal que os grandes partidos – em Portugal, o PSD e o PS – reflictam dentro de si os diferentes grupos da sociedade. Em qualquer parte do mundo, os partidos que disputam o poder são por natureza frentistas, uma amálgama de grupos por vezes contraditórios, o que tem como consequência o esbatimento de questões ideológicas e o prevalecimento do chamado pragmatismo.

O problema põe-se porém na corporização interna dos diferentes grupos que tende a verificar-se naqueles que são menos dinâmicos. A forma como se concretiza essa corporização tende a conferir-lhes uma força interna que vai muito para além da sua real representatividade e constitui muitas vezes um bloqueio sério a quaisquer mudanças de fundo.

É relevante aqui o papel das juventudes partidárias, as chamadas “jotas”. Inicialmente meros coladores de cartazes propagandísticos, bem cedo se aperceberam da oportunidade de rentabilizarem essa “nobre” função. Conjugada esta actividade com algumas vitórias em associações estudantis, facilmente “venderam” a sua imprescindibilidade ao crescimento, implantação e glória partidários. De imediato passaram à reivindicação de prebendas e sinecuras e hoje não há candidatura, seja para a mais insignificante Junta de Freguesia ou para o Parlamento Europeu, que não disponibilize lugares elegíveis aos “representantes da juventude”.

Havia porém que imunizar esta capacidade electiva aos ciclos políticos e nada melhor que consagrar estaturariamente a organização no partido. É assim que as “jotas” têm hoje garantida uma quota de representantes seus por inerência em todos os órgãos da estrutura partidária, representantes esses a quem cabe apenas a si eleger. Isto sem prejuízo da capacidade eleitoral dos seus membros enquanto militantes comuns.

Estas “técnicas” tenderam naturalmente a ser emuladas por outros grupos igualmente activos e, por via disso, igualmente “imprescindíveis” ao partido. Destes, destacam-se já com espaços demarcados as organizações sindicalistas e de autarcas, as das mulheres em vias de se institucionalizar e, por este andar, estará a caminho a consagração das organizações de homens, de velhos, de homossexuais, de deficientes, de ecologistas e por aí fora.

Como corolário disto, os órgãos dirigentes dos partidos ficam completamente reféns destes grupos, dada a maior capacidade electiva que lhes está atribuída. No limite, uma mesma pessoa que faça parte em simultâneo de várias daquelas corporações, vota nas eleições internas não só na qualidade de simples militante, mas também como membro da “jota”, da organização sindical, da organização de autarcas e (ou) de outra que esteja estatutariamente consagrada. Ou seja, estes grupos fazem o pleno de representantes seus nas inerências de que beneficiam e, pelos sindicatos de voto que sempre formam, conseguem geralmente aumentar a sua representação nas listas gerais. Assim se atinge a perversão completa de um princípio que devia ser sagrado na democracia, qual seja o de “uma pessoa, um voto”. O militante comum, por seu lado, sente-se cada vez mais espartilhado por estas corporações, cujo único objectivo é a defesa de interesses que pouco ou nada lhe dizem. A sua participação será cada vez menor, com tendência para a extinção, pura e simples.

Todos estes grupos, uma vez obtido o poder pelo respectivo partido, constituem uma enormíssima reserva de boys, ávidos de jobs que nunca serão em excesso, mas para cuja criação adicional jamais regatearão a sua criatividade. As pressões sobre o governo serão permanentes e não admira que, ao fim destes anos todos, tenhamos hoje uma Administração Pública completamente infestada de “altos quadros” cujas garantias curriculares iniciais para as funções eram apenas o ser jovem, sindicalista, autarca, etc. Exemplo mais paradigmático, o de José Sócrates, que debutou politicamente na JSD, donde transitou para o PS e chegou a 1º Ministro sem que se lhe conheça qualquer curriculum profissional.

É assim que qualquer grande assembleia ou congresso partidário que hoje se realize, com quase 100% dos respectivos participantes a dependerem do Orçamento de Estado, mais não são que meras reuniões de quadros da função pública. Lógico portanto que aqueles “fóruns” sejam cada vez mais sensaborões. Discutem-se neles os interesses dos burocratas, jamais os dos cidadãos. Estes reajem, virando costas aos partidos e abstendo-se...

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Em defesa da 4ª República

Neste País os temas de discussão pública são, sistemàticamente, os que façam parte da agenda mediática, sendo esta marcada quase que exclusivamente pelas televisões. Os critérios de selecção destas, não se regem pròpriamente pela importância estruturante dos temas para a colectividade, mas pelo espectáculo, estridência, escândalo que aqueles possam propiciar. Sexo, sangue, medo e voyeurismo!!! Se analisarmos as notícias e programas que têm sido mais “badalados”, de imediato se conclui que, na sua grande maioria, se manipulam emocionalmente aqueles instintos, muitas vezes de forma primária.
Temos assim que o Big Brother foi durante muito tempo um maná mediático, com sexo e voyeurismo q.b., adequadamente temperado com alguma histeria e lágrimas assolapadas; a invasão do Iraque combinou na perfeição o sangue e o medo com a histeria pacifista, sempre encabeçada pelos mesmos que pararam em Maio de 68; o folhetim da Casa Pia que se vem eternizando tem-se revelado um filão inesgotável, com doses cavalares de sexo, medo, voyeurismo e muita, muita chantagem emocional; também muito medo foi incutido com a "gripe das aves", que se revelou mais uma psicose colectiva tirada a papel químico do seu antecessor, o dossier das “vacas loucas”.
Em suma, muito barulho, mas pouca informação e quase nenhum esclarecimento. Mesmo nos programas de cariz vincadamente político, como é o caso do “Prós & Contras”, é nítida a relevância que se dá à vertente do espectáculo e escandaloso o seguidismo face à cartilha propagandística do governo; a alternativa está pràticamente limitada à "homília" dominical do "nosso" Marcelo, que nos vai entretendo com recicladas "conversas em família" e à pluralista “Quadratura do Círculo” da SIC/Notícias, a afundar-se porém cada vez mais no “cinzentismo” dos seus comentadores, os quais, diga-se, vestem muito bem o fato de figuras do regime.

E é a natureza do regime, cada vez mais retintamente salazarista e corporativa, que interessava discutir na praça pública, mas que ninguém tem coragem (ou interesse) em encetar. Há uns anos o governo Barroso, espicaçado pelo então Presidente Sampaio, lançou à discussão a “reforma do sistema político”. Desde logo, a terminologia escolhida tresandava a “evolução na continuidade”, o que se confirmou à posteriori. A discussão, se alguma houve, fez-se de forma muito sigilosa e restrita às figuras gradas do regime, indiciando desde logo meras alterações de cosmética, para manter incólume a verdadeira natureza daquele, com rugas cada vez mais profundas. Muito pontualmente, verificaram-se umas surtidas da fortaleza de S. Bento em tom mais ou menos coloquial, mas sempre moderadas por um “pai do regime” que, sistemàticamente, faz a apologia do filho, transigindo apenas num ou noutro pequeno correctivo.
Dos correctivos que se foram defendendo, o mais polémico e incómodo foi o da limitação de mandatos, implementado pelo governo Sócrates que lhe juntou a estúpida lei da paridade. O resultado prático disto, como sempre acontece quando se reduz o leque de escolhas, irá redundar num reforço do centralismo, do nepotismo, das oligarquias partidárias e no aumento da mediocridade dos candidatos. Outros "correctivos" vêm periodicamente à baila, como os cargos de Ministro da República das Regiões Autónomas e de Governador Civil a que todos reconhecem total inutilidade mas ninguém ousa extinguir, as áreas metropolitanas, "moda" criada por Miguel Relvas mas que não podem subsistir sem metrópoles e a eterna alteração da lei eleitoral, já tantas vezes prometida e outras tantas “engavetada”.
De outras minudências se vai falando em surdina, mas nada de verdadeiramente estruturante que consiga tudo mudar, deixando apenas algo na mesma. É que o verdadeiro problema, dizem os “pais do regime”, está nas pessoas e no seu comportamento do dia a dia, na sua forma de encarar a coisa pública, imutável desde os tempos de Eça e de Camilo. E as características intrínsecas de um povo não se mudam com reformas dos sistemas, estes é que se devem adaptar à evolução do todo social.
Esta argumentação arrasa. Mas, vendo bem, a sociedade tem evoluído e de forma cada vez mais acelerada; o Estado mantém-se imutável. A Economia globaliza-se a uma cadência crescente; os poderes públicos mantêm-se estáticos. Quem investe e tem dinâmica necessitava de uma administração pública mais ágil e com capacidade de resposta; esta insiste numa postura paquidérmica.
Verifica-se de facto uma incapacidade gritante das lideranças políticas em definirem estratégias, o que não admira, dado que se esgotam na gestão quotidiana da máquina do Estado. Ou seja, o objectivo fundamental deveria passar pela redução do peso do Estado que, com a sua actual dimensão, é causa de entropias por toda a sociedade. E reduzir o peso do Estado significa mudar completamente de regime e criar a 4ª República.
Desde logo, tal implicava uma nova Constituição que, idealmente, deveria ser virada para a defesa e garantia dos direitos do cidadão e extremamente limitativa dos poderes do Estado. Já agora, conviria que a mesma não tivesse mais de 15 artigos, para que todos a pudessemos saber de cor. Outro objectivo do novo regime, deveria ser o desmantelamento do salazarismo, o qual fàcilmente se executaria pela revogação pura e simples de todo o edifício legal que martiriza o quotidiano das pessoas e dos agentes económicos e o que outorga o poder às corporações – por exemplo, acabar-se-ia assim com a obrigatoriedade de os médicos, advogados, engenheiros ou economistas se filiarem na respectiva Ordem. A redução do Estado poderia (e deveria) também passar por uma ampla reforma da divisão administrativa do País. Será que ainda faz sentido a divisão concelhia do Mouzinho da Silveira? Terá alguma lógica este País estar dividido em 305 concelhos (muitos com dimensão inferior a alguns condomínios) e mais de 4.000 freguesias? Porque não reduzir estas para 1.000 e aqueles para não mais de 100? A lei eleitoral deveria ser uma só, aplicável a eleições para o poder central, regional e local. Ou seja o sistema eleitoral (que não vou agora discutir), deveria ser uniforme para todos os órgãos de poder. Importante seria que o executivo (ou o seu presidente) fosse eleito directamente, e não emanasse da Assembleia, como hoje acontece, mas respondesse perante ela. Acabar-se-iam com as eternas polémicas Governo / Presidência e dignificar-se-ia o Parlamento, que exerceria o verdadeiro papel de controlo do executivo.

Estas questões e muitas outras têm toda a actualidade, mas são incómodas e mexem com muitos interesses instalados. Mas se pretendemos de facto mudar, não podemos deixar de as equacionar. A questão que se põe, porém, é como mudar de regime em democracia? Pessoalmente, só vejo uma hipótese: um Partido apresentar-se a sufrágio com um programa claro de ruptura e ser vencedor. Teria toda a legitimidade para executar uma "agenda fracturante". Eu julgo que só o PSD, pelo tradicional inconformismo do seu eleitorado e abertura à mudança, estará em condições de adoptar um tal programa. Mas terá de sair do estado de letargia em que há muito se encontra.